Mostrando postagens com marcador uma carona no escuro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador uma carona no escuro. Mostrar todas as postagens

domingo, 26 de agosto de 2012

5

"Eles estão vindo!" de Natalia de Oliveira


Eles estão vindo!
 
     Suzana olhava para seu relógio de pulso de cinco em cinco minutos. Eram dez e quinze da noite e ela espera que mais cinco minutos se passassem para que finalmente pudesse dar o expediente por encerrado e ir para casa. Suzana trabalhava em um mercadinho não muito longe de sua casa, o que era bom, pois podia ir e vir á pé, o problema era que fora escalada para o último turno, das duas horas da tarde até as dez e vinte da noite. Tudo bem que o mercadinho em si era fechado ás nove, mas tinha que ficar até as dez e vinte para organização reposição de mercadoria e essas coisas. Embora já tivesse terminado tudo já fazia uns quinze minutos, não podia ir embora por conta do sistema de banco de horas, ou seja, minutos á menos, pagamento á menos, e isso, ao contrario de outras coisas nessa empresa em que trabalhava, era seguido á risca.

     Estava sentada no sofá da salinha dos funcionários, de braços cruzados, com a bolsa no colo, olhando para o nada, esperando os minutos se arrastarem. Ouviu o som dos passos das suas colegas subirem a escada que levava ao segundo andar do pequeno prédio, onde fica o escritório, sala da gerencia e sala de funcionários. As vozes soavam animadas enquanto se aproximavam e entravam na sala.

     - Ah, mas aquela caixa de geleia estava mais do que vencida. – Carol disse entrando pela porta, ao mesmo tempo que tirava o crachá do pescoço.

     - Eu sei, mas você tinha que chamar um dos meninos para ajudar você a levar para a lata de lixo. – Jaqueline, a gerente da loja, disse em tom de reprovação. – Machuca as costas, ai eu quero ver trazer atestado.

     Jaqueline era gerente da loja, mas era tão humilde e companheira das outras operadoras de caixa que era impossível usar o termo chefe quando se referiam á ela.

     - Ah, já está ai? – Jaque disse olhando para Daniela – Vida boa né? – disse indo em direção aos armários para pegar sua bolsa.

     - Eu terminei de lavar a cozinha e os banheiros faz tempo. – Suzana argumentou com um meio sorrisinho. – Vocês que ficam ai, fazendo hora.

     - Fala, ligeirinha. – Carol disse chicoteando a perna de Suzana de leve.

     Todas usavam o uniforme do mercadinho, que se consistia de calça jeans e uma camisa polo verde com o logotipo do mercado. Só restavam as três para ir embora, e depois que as duas que faltavam pegaram suas bolsas, ficaram todas em frente ao relógio de ponto esperando dar a hora.

     Depois de terem passado o cartão, desceram a escada e saíram pela porta de aço que Jaque fechou com a chave que lhe era confiada. Depois das despedidas habituais, cada uma foi para um lado: Jaque iria pegar o ônibus sentido bairro Esperança, Carol iria pegar o ônibus sentido Centro, onde ela pegaria o ônibus para o seu bairro, já Suzana, como já foi dito, morava perto, por isso iria embora á pé.

     Perto é modo de dizer, o mercado ficava na avenida principal da cidade, Avenida Barão de Mauá, ela morava no bairro do Jardim Mauá, que começava na segunda entrada vindo em direção centro a partir do mercadinho. O motivo pelo qual Suzana não pegava ônibus era por que não havia ônibus que viesse sentido centro que virasse na entrada do seu bairro. Se quisesse, poderia pegar um, descer no centro, pegar outro que voltasse e nem desceria em sua rua, além de gastar no mínimo uma hora nisso, logo, ela preferia gastar vinte minutos e ir á pé.

     Pegou o celular em seu bolso, do outro bolso pegou os fones de ouvido, acoplou um no outro, selecionou uma musica, colocou os fones e saiu andando pela noite.

     Suzana tinha que admitir, quando fazia isso realmente não prestava atenção no que acontecia á sua volta. Não prestou atenção nos carros que passavam á toda velocidade na avenida, não prestou atenção em uma viatura que quase bateu em um carro bem perto dela, nem em varias outras coisas que estavam acontecendo á sua volta que estavam dando pistas do que estava acontecendo. Só prestava atenção na musica que ouvia.

     Atravessava a rua, mesmo no sinal vermelho, um carro quase a pegou. Ela xingou e continuou seu caminho estranhando o acontecido, afinal, era ela quem estava com a razão. Quando começou á subir a ladeira, percebeu que os estudantes que deveriam estar saindo da escola no mesmo horário não estavam nas ruas. Estranho. Então tirou o fone do ouvido e começou á prestar atenção. A noite estava muito quente e quieta, como se houvesse algo pesado no ar. Ouviu o som da sirene de uma ambulância que corria á toda velocidade na avenida lá embaixo, fazendo-a se virar para olhar. Achou muito estranho, pois lembrou-se de ter ouvido um carro de policia passar e aquele carro que quase a atropelou, será que estava todo mundo doido hoje?

     Continuou seguindo seu caminho e chegou á avenida Joaquin Chavasco, a avenida que antecedia sua rua, estava deserta, como nunca a tinha visto, até o bar, que sempre ficava aberto ao longo da noite estava com pessoas de menos e meia porta baixada. Ela passou olhando e reparou que as cinco pessoas que estavam dentro do bar estavam assistindo tv, mas não o canal de esportes, como era de costume, mas sim, o jornal. Todos tinham um ar muito estranho, e um deles veio até a porta e olhou para os dois lados da rua, procurando por alguma coisa que ele não queria ver. Quando ele viu Suzana ele fez uma cara de espanto.

     - O que você tá fazendo na rua, moleca?! Vai pra casa e se tranca! – ele gritou para ela.

     Como assim?! Quem era aquele cara? Nem o conhecia e ele estava mandando ela ir para casa como se ele fosse seu pai. Ela ficou tão bestificada com isso que nem respondeu, apertou o passo continuou seu caminho, sua casa estava á menos de cinco minutos.



     Sua casa era a primeira, quando a Joaquin Chavasco se bifurcava com a Albino Bianchi, do lado direito. Ela andava rapidamente e percebeu que uma pessoa vinha em sentido contrario ao dela, pela Joaquim Chavasco, a única pessoa que andava na rua além dela, mas havia algo estranho. Parecia ser um homem, pois parecia alto e forte, mas andava de forma estranha, meio cambaleante, torto, como se estivesse bêbado. “Ah, não! Um bêbado!” pensou. Outra vez apertou o passo, pela distancia que ele estava, ela estaria dentro de sua casa quando ele alcançasse a sua rua. Ajeitou a bolsa no ombro e caminhou rapidamente, quase como a marcha olímpica e como previra, descia a escada de sua casa antes que ele entrasse na rua.

     No momento em que descia a escada, o telefone celular em seu bolso tocou e ela atendeu quase se desequilibrando na escada.

     - Alô?

     - Suzana? Você tá em casa? – a voz de sua mãe soou do outro lado da linha.

     - Oi mãe, como vai mãe?

     - Responde menina, onde você está? – a voz de sua mãe soou nervosa.

     - Estou descendo a escada mãe.

     - Corre logo para dentro e se tranca.

     - Mas, oque. . . ? Como assim? – era a segunda pessoa que falava para ela se trancar.

     Nesse momento ela abria o portão de casa, mas como estava conversando com sua mãe no telefone de distraiu.

     - Oque está acontecendo?

     - Se tranca!

     - Mas. . .

     O telefone da casa tocou nesse momento, ela entrou e sem que percebesse deixou o portão entreaberto.

     - Espera um pouco mãe. – ela disse correndo através da cozinha e entrando na sala de estar para atender o telefone que ficava no canto da sala. Jogou a bolsa no sofá e atendeu o telefone. – Alô.

     - Suzana? – a voz de Jaqueline – Você já chegou em casa?

     - Já.

     - Você tá bem? – ela parecia nervosa.

     - Meu Deus, o que é que tá acontecendo afinal? Tá todo mundo dizendo para eu entrar em casa. – disse já irritada.

     - Liga a tv! Agora!

     Suzana sentiu um frio na barriga. Aquela sensação de que algo estava terrivelmente errado. O celular ainda estava em sua mão, então colocou o telefone de casa de ladinho na mesinha na qual ele ficava, pegou o controle remoto da tv que estava jogado no sofá e ligou a tv, que já estava sintonizada num canal de noticias. Uma repórter a qual não sabia o nome tinha uma expressão consternada, ela segurava um papel e era notável que ela tremia assim como sua voz.

     - . . . acaba de chegar da central de redação. - ela deu uma pausa e engoliu em seco, olhando para o papel em sua mão – O numero de ocorrências é impressionante, os telefones da policia e da emergência estão congestionados, mas. . . fontes em nossos blogs afirmam ser mais de 2000 ocorrências no Estado. As noticias ainda são controversas, mas todos os veículos de informações são unanimes em afirmar que. . . – a repórter leu, olhou para o lado, como se para confirmar se o que estava lendo era o que ela tinha que falar para o pais, e como se a resposta fosse afirmativa, ela tremeu mais uma vez e disse pausadamente - . . . os ataques á civis que começaram no começo dessa noite no Aeroporto de Congonhas foram causados por Mortos.

     - O que? – Suzana disse sozinha.

     - Mortos que, de alguma forma, levantaram e atacaram os vivos. A precaução recomendada é que de forma alguma os civis tentem interagir com os agressores, eles são extremamente perigosos, fortes e qualquer tentativa de conversa não funcionara. Sua intenção parece ser apenas a de causar danos com violência e. . . dentadas. Eles são extremamente violentos e acreditasse que também sejam portadores de alguma doença contagiosa, pois as vitimas, depois de atacadas, adquirem o mesmo comportamento.

     - Meu Deus do céu. – Suzana disse espantada com oque estava ouvindo. Isso não era possível.

     Ela assistia a isso boquiaberta. Será que isso era alguma pegadinha, alguma brincadeira de mau gosto? Os mortos estavam atacando os vivos? Não, isso era irreal demais. Mas aquela repórter tinha uma expressão de medo no rosto. Então começaram á exibir imagens dos acontecimentos: Pessoas que pareciam normais, mas estavam feridas, como se tivesse tido um acidente de carro gravíssimo, correndo atrás de outras que corriam em desespero; em alguns casos, um grupo de dez cercava uma garota e avançava nela, o resto da imagem era borrada, mas dava pra deduzir o que acontecia.

     Suzana até esqueceu o telefone, estava tonta com o que via na tv. Esqueceu até de que havia deixado o portão entreaberto. Ouviu uns passos na cozinha, mas ela morava sozinha. Virou-se, olhou para a porta da sala que levava á cozinha e viu que um homem estava entrando na sala, mas não era um homem normal, era um morto!    

     Ele era o mesmo homem que andava cambaleante na rua á pouco. Talvez ele tivesse visto Suzana, talvez ele tivesse sentido seu cheiro, a questão era que ele havia descido a escada, sabe Deus como, e agora estava ali, na sua casa. Ela não o conhecia, era branco, com uma camisa azul muito escura e uma calça jeans, seu lado esquerdo estava lavado de sangue, a cabeça, o pescoço tinha um ferimento enorme, e parecia que faltava um pedaço e de lá, jorrava o sangue que molhava sua roupa e fazia uma trilha no chão. Ela gritou e caiu no chão. A criatura soltou um guincho alto, como um animal enraivecido e avançou em direção á ela, mas ela foi ágil e escapou por baixo de seu braço que estava aberto para agarra-la. Ela saiu correndo pela cozinha, trombando na mesa de jantar. A cozinha era o cômodo central da casa, ao qual os demais cômodos estavam ligados, assim como seu quarto. Ela entrou em seu quarto com a criatura vindo cambaleante em seu encalço. Ela correu e entrou em seu banheiro, trancando-se, em seguida caiu no chão, batendo as costas na parede.

     Alguns segundos depois, ouviu a criatura soltar o guincho hediondo outra vez para em seguida começar á bater e á chutar a porta.

     - Meu Deus! – ela chorava. Ainda na mesma posição estatelada.

     A criatura continuava a bater, insistindo.

     A porta do banheiro estava ali desde que se lembrava, desde que era criança. Era de madeira boa e forte e mostrava poucos sinais de desgaste, mas isso não era motivo de alivio. Ela não sabia quanto tempo a porta aguentaria.

     Suzana respirava descompassadamente, nervosa. Tremia dos pés á cabeça, isso não podia estar acontecendo. Durante toda sua vida, assistira á filmes de zumbis, era fã de George Romero, mas ver essas coisas, essas criaturas na vida real era. . . era horrível.

     A criatura fez silencio e tudo ficou quieto, a não ser pela respiração de Suzana. Ela se ajeitou e ficou escutando. Nada. Se levantou, sufocando o choro com as mãos. Ela tremia mas foi se aproximando da porta. Ela encostou o ouvido na porta, tentando ouvir alguma coisa e nesse momento, a criatura bateu mais forte, chutando e esmurrando, arranhando com as unhas loucamente e guinchando daquele modo grotesco.

     Outra vez Suzana caiu no chão desesperada. Encolheu-se, abraçando as pernas e balançando como uma criança.

     - Pai nosso, que estais no céu, santificado seja vosso nome, venha á nos o vosso reino, seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu. . .

 

     Suzana abriu os olhos, a luz entrava pela pequena janela quadrada do banheiro. Sentiu uma dor horrível na barriga e se colocou sentada, o banheiro estava diferente, estava claro com a luz do sol. Levantou a polo verde e viu um hematoma como um traço na barriga, o encontro com a mesa na hora da fuga. Parou para ouvir. Percebera ao longo da noite que a criatura ficava quieta de proposito esperando que ela se aproximasse da porta, agora sim sabia que a criatura sentia seu cheiro, ela sabia que Suzana estava ali e não iria embora. De vez em quando Suzana o ouvia arranhar a porta com as unhas e respirar como se estivesse constipado. Suzana chorara tanto que dormira com tanta dor de cabeça, se bem que a pancada que levara na cabeça quando caíra de encontro a parede do banheiro contribuía muito.

      Levantou-se caminhou lentamente até o vaso sanitário. Se aliviou e em seguida foi até a pia, lavou as mãos e bebeu um pouco de agua. Olhou para a porta, a criatura que estava quieta voltara a bater na porta com violência, mas Suzana não tremia mais. Tivera bastante tempo para perceber que o morto não derrubaria a porta, por mais perigoso que fosse, não derrubaria uma porta de madeira maciça, seu problema era outro agora. Estava em um banheiro, mesmo que tivesse agua por um certo tempo, não tinha comida. Se não desse um jeito de sair de lá, morreria de inanição em pouco tempo. Não tinha para onde correr.

 

     O dia corria lento. Era o terceiro dia dentro do banheiro, Suzana estava encostada na parede, com as pernas estiradas no chão. Estava sem a camisa, só de sutiã, pois a camisa pendia molhada na pia, depois de ter se lavado precariamente na pia. Ela jogou um pedaço de azulejo que havia se soltado da parede com o seu impacto, e sua maior diversão era ficar jogando esse caco para lá e para cá. Ela jogou o azulejo na porta e outra vez a criatura se manifestou.

     - Cala a boca! – ela disse sem paciência esfregando as têmporas doloridas.

     Pior do que morrer de inanição era ficar ouvindo aquele ruído irritante até a hora derradeira. Ela devia ter imaginado que o fim seria assim, morrer de fome e de tedio.

     - Meu pai, você era chato assim quando você era vivo?

     Nesse momento ouviu um barulho, como de vários passos dentro de casa e a criatura guinchou. Pronto, agora sim, um monte desses e derrubariam a porta. Levantou-se apreensiva, no entanto algo estranho aconteceu.

     - Pode deixar, chefe, ele é meu! – Suzana ouviu a voz de um homem dentro do quarto.

     Ouviu um som metálico, como de o engatilhar de uma arma e então vários tiros. Suzana se agachou se encolhendo no canto do banheiro. Ouviu o som de alguma coisa pesada e mole caindo no chão, depois sangue escuro entrou por baixo da porta do banheiro. Suzana se levantou, não queria que aquele sangue tocasse nela pois lembrou-se do que a repórter disse três dias atrás.

     - Chefe, - a mesma voz disse outra vez – Tem alguma coisa ali dentro, eu vi sombra por baixo da porta.

     Suzana prendeu a respiração quando forçaram a maçaneta e constataram que a porta estava trancada por dentro.

     - Tem alguém vivo aqui?!

     - Tem! – ela gritou e abriu a porta, deparando-se com uma imagem que nunca imaginou ver na vida:

     Haviam cinco homens em seu quarto, com farda do exercito, portavam rifles e calibres 12 e outra gama de armas que ela não identificava mas que estavam apontadas para ela. A criatura estava jogada no chão praticamente sem a cabeça e seu sangue inundava o quarto e entrava no banheiro. Ela tinha os braços levantados mostrando que era inofensiva, pois estava assustada com aqueles soldados.

     - Moça, você está ferida? – o que parecia ser o líder disse com voz imponente.

     - Não.

     - Foi mordida ou atacada?

     - Não. – sua voz tremeu, eles apontavam a arma para sua cabeça.

     - Esse sangue entrou em contato com a senhora?

     - Não.

     Um dos soldados se aproximou dela e olhou bem no fundo de seus olhos. A pegou nos braços com uma delicadeza que ela estranhou e relutou um pouco.

     - Calma, amor.

     Ele a carregou até a cama, tirou a jaqueta da farda e a colocou sobre os ombros dela, cobrindo sua semi-nudez, um toque de cavalheirismo.

     - Qual seu nome? – ele disse tirando uma mecha de seu cabelo que caia em seu rosto.

     - Suzana.

     - Meu nome é Lucas. Há quanto tempo estava trancada no banheiro, querida? – ele disse com voz macia.

     - Três dias. – ela respondeu mais calma. – O que vocês estão fazendo aqui?

     - Somos desertores.  – ele sorriu - O mundo acabou, o governo, foi pelo ralo, estamos tentando achar algum lugar seguro e enquanto isso, vamos fazendo umas paradinhas.

     - Estão saqueando a minha casa? – nesse momento ouviu o som de vidro se quebrando na cozinha e percebeu que três soldados não estavam mais no quarto, apenas Lucas e o Chefe continuavam lá.

     - Ainda bem que estamos, não é? – ele sorriu naturalmente. – Está com fome? Claro que está. Vou trazer alguma coisa pra você comer.

     Com um olhar terno, ele se levantou e saiu do quarto, deixando apenas o Chefe com Suzana. Ela continuava ouvindo o barulho pela casa, das portas dos armários sendo abertas e seu conteúdo sendo saqueado. Isso era realmente o fim do mundo. Ela percebeu que os olhos do chefe estavam fixos nela, mais precisamente na jaqueta aberta. Inconscientemente ela se encolheu e fechou o zíper da jaqueta.

     - Desculpe se parecemos grosseiros, mas as coisas estão confusas no mundo. – ele disse com tom ameno

     - Eu agradeço pela ajuda, se não fosse por vocês eu teria ficado trancada naquele banheiro até morrer de inanição. – ela disse moderando a voz e tentando ignorar o fato de que estavam depenando sua casa.

     - Bem, como Lucas disse e você também já deve ter percebido, querida, o mundo foi pelo ralo. Não há mais governo, não há mais policia, nem criminosos, só existem sobreviventes. – ele disse com um tom estranho. – Espero que esteja me entendendo.

     - Estou. – não estava.

     - Pessoas nessas condições se transformam e agem de forma que não agiriam em sã consciência. Elas podem ser perigosas. Pode vir com a gente, se quiser. Uma garota novinha como você não pode ficar por ai desprotegida, podemos proteger você.

     - Como?

     - Ou você prefere ficar e voltar para o banheiro.

     Eles se olharam por um tempo.

     - Muito bem, to vendo que isso vai ter um preço.

     - Você é esperta. – ele disse com um meio sorriso.

     Ele tirou a jaqueta e a camisa camuflada e se aproximou de Suzana.

     - Vai ter o meu preço. – ela disse impedindo ele com a mão. – Você vai me dar uma dessas armas também, vai me ensinar a usar e vamos até a cidade de Pilar, ver se minha mãe está viva.

     - Justo.

     - Justíssimo. – Suzana concordou abrindo a jaqueta.


 

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

0

Novo teaser de "Uma Carona no escuro"

     Olá Leitores.
     Esse é o novo teaser que eu fiz para divulgar o livro "Uma carona no Escuro", de minha autoria.
O teaser está melhorado e espero que vocês gostem do resultado como eu gostei. Lembrem-se de que eu o fiz usando uma das ferramentas mais maroscas do windows, mas acho que dá pro gasto, para alguem que sabe pouco sobre essas coisas de informatica.


 
 
 


quinta-feira, 16 de agosto de 2012

0

"Uma carona no escuro"




     Quando Derek decidiu sair dirigindo de Nova York até Los Angeles, sabia que seria uma viagem longa e cansativa, só não pensava que seria tão longa e cansativa.

     Derek Corben tinha vinte e sete anos de idade e já era divorciado. Bem, ele nunca fora muito bom em relacionamentos duradouros, nem mesmo com seus pais. Saíra de casa assim que se tornou legalmente adulto e desde então nunca mais falara com eles. Deviam achar que ele estava morto, melhor assim, pelo menos não enchiam o saco.

     Depois do exaustivo processo de separação no qual Rebecca, sua esposa, ficara com praticamente tudo o que ele tinha (tudo, menos seu carro, um Bel Air vermelho 59), tudo o que lhe restou a fazer foi pegar sua trouxa, seu possante e dar área.

     Já vinha construindo essa ideia quando ainda era casado, claro que nessa época, esse plano incluía Rebecca. Mas o relacionamento foi indo de mal á pior, numa montanha russa que só fazia ir para baixo. Rebecca não parava de reclamar do apartamento mixuruca, do seu trabalho deprimente, da vida miserável, dos amigos incompetentes. . . enfim. Um belo dia chegara do tribunal, onde teve que ouvir da boca do Juiz que ela tinha direito de ficar com o apartamento, metade do dinheiro da poupança, mais uma serie de coisas as quais aquela vaca tinha direito por terem ficado apenas um ano (o pior ano de sua vida, diga-se de passagem) casados.

     Lá, sentado em seu sofá carcomido, imaginou varias coisas que poderia fazer agora, varias delas terminavam com a frase dita por algum apresentador de telejornal de quinta categoria “E então ele virou a arma para si mesmo e atirou.”. Mas como Derek já não tinha mais saco para nada disso, decidiu apenas pegar suas coisas, as chaves do Bel Air e tchauzinho, Rebecca.

     Por que estava indo para Los Angeles mesmo? Era a quinquagésima vez que se fazia essa pergunta sem que na verdade tivesse resposta. Quando entrara no carro, abrira o porta-luvas e de lá tirara um mapa do país, simplesmente fechara os olhos, deixou o dedo indicador pousar em qualquer ponto e quando abriu os olhos, Los Angeles. Esse era o por que. Sair por ai sem rumo, era disso que precisava. Isso era triste, partir sem deixar saudade e sem ser esperado por ninguém. Sua vida sempre fora assim, do que estava reclamando?

     O problema de se viajar sozinho é exatamente esse: estar sozinho durante as longas horas que se passa, tendo a exclusiva visão do asfalto. Derek sabia que essa parte do país era meio deserta, algum lugar em Utah, mas já fazia dois dias que não via nada além de pasto, dos dois lados da estrada. Uma vez ou outra passava por uma dessas paradas de beira de estrada, nas quais caminhoneiros e motoqueiros paravam para descansar até que recomeçassem sua viagem, porem não se sentia á vontade nesses lugares.

     Já era quatro horas da tarde, e Derek já estava dirigindo desde cedo sem parar. Estava com fome e via no marcador que o Bel Air também.

     - É, até que a parada dos motoqueiros ia bem agora. – disse para si mesmo. Ligou o radio e foi mudando as estações até que encontrasse alguma que prestasse, encontrou uma radio de noticias.

     - E ai gente, é hora das “Noticias da Estrada”! – uma voz com certo sotaque caipira disse animadamente. – Tommy Moses jura que viu um OVNI, é a segunda vez esse mês! Amigo motorista, se você está na estrada em direção á Dallas, a 10° Festa do Peão de San Afonso é amanhã á noite, não perca! Vai ter garotas, cerveja e churrasco do bom! Quem resiste á isso? Talvez nosso amigo Tommy Moses, que vai estar ocupado demais recepcionando seus amigos verdinhos que desembarcam essa noite! – o locutor disse zombando desse pobre coitado.

     Não teve como Derek segurar uma gargalhada enquanto dirigia e demorou muito para se controlar, tanto que quando voltou á prestar atenção na rádio, o programa daquele locutor que na verdade era só um drops já tinha acabado e dera lugar á uma musica country mais do que brega.

     Mudou de estação.

     - Aleluia, digam aleluia, irmãos! – uma voz grave se fez ouvir gritando antes de um coro que respondeu ao pedido, parecia ser uma estação religiosa. Houve algumas palmas depois silencio, parecia ser um culto ao vivo – Devemos estar sempre alertas, irmãos, por que ardiloso é o Inimigo! É muito fácil chorar e clamar ao Senhor em horas de adversidade, sim, mas é como chamar a policia depois que o ladrão já entrou na sua casa. - ele disse com um tom de voz estranho – Sábio, é aquele que se preocupa com as armadilhas do Demônio quando tudo parece certo. Pois ele não tem pressa, ele espera até que seu espirito esteja fraco, corrompido e desatento, á espreita, esperando o momento perfeito. Sim irmãos, devemos nos lembrar de Nosso Senhor á todo momento, mas sem esquecer o Inimigo. Pois saibam, e isso é uma verdade, o maior trunfo do Demônio, é ter feito as pessoas acreditarem que ele não existe!

     - Mas oque é isso? – ele disse surpreso. – Que horror!

     Derek não era religioso, preferia evitar se possível, e tinha um particular receio dos mais fervorosos (entenda fanáticos), principalmente quando começavam á fazer discursos sobre Deus e o Outro, ainda mais quando a dissertação era tão inflamada, ambígua e cheia de nomes de efeito como Altíssimo, Aquele que tudo vê, onde não se consegue saber de quem estão falando. Desligou o radio ainda com a voz com sotaque caipira do pregador na cabeça, sempre seguida de um Aleluia!.

     Nesse momento viu ao longe ainda um posto de gasolina, tipo uma dessas paradas de beira de estrada. O oco que sentia no estômago, somado ao marcador de combustível do carro que dizia quase vazio lhe convenceram á parar. Foi diminuindo a velocidade, saiu da estrada e entrou pela entrada de carros, estacionando o carro na frente da única bomba de gasolina do lugar. E ele ainda se intitulava um posto?

     Desceu do carro e olhou em volta. Do outro lado da estrada, até onde a vista alcançava se via um deserto, com sua vegetação seca e rasteira comum da região e nunca sentiu-se tão sozinho. Voltou então sua atenção ao estabelecimento no qual fora parar. Era pequeno, quase abandonado, sujo com a terra que o vento trazia do deserto e o cheiro de óleo diesel pairava no ar. Havia um homem sentado num banco á sombra ao lado da porta de vidro da pequena lanchonete que completava a parada. Seu uniforme de frentista estava empoeirado e manchas de graxa e óleo faziam estampas no uniforme azul claro. Um boné tão sujo quanto cobria seu rosto, ele parecia estar tirando uma soneca de fim de tarde. Derek se aproximou sem que o homem o percebesse e o cutucou.

     - Ei! – Derek disse sacudindo o ombro do homem.

     - Ah. . . – o homem disse sobressaltado – Oi, bem, em que posso ajudar, filho?

     - Enche o tanque. – Derek colocou as chaves do carro em sua mão.

     - É pra já!

     Mais do que rapidamente o frentista levantou-se e caminhou na direção da bomba de gasolina, enquanto isso, Derek entrava dentro da pequena lanchonete. O lugar estava vazio com exceção da atendente de meia idade que fumava um cigarro atrás do balcão. Além dos quatro lugares disponíveis no balcão, a lanchonete ainda tinha mais três mesas encostadas á vitrine com bancos estofados verdes, o lugar era um cubículo, mas servia. Pediu três hambúrgueres, um para comer agora, dois para levar e ainda comprou quatro garrafinhas de agua. Depois de comer o hambúrguer que não estava tão ruim, foi ao banheiro, só então saiu da lanchonete, só para ver que o frentista estava em seu banco tirando uma soneca outra vez.

     - Ei! – Derek cutucou-o de novo.

     - Ah, as suas chaves, senhor. – o frentista aprumou-se e entregou as chaves do carro de Derek - São vinte dólares.

     Derek pegou a carteira que estava no bolso da calça e de lá rapidamente tirou vinte dólares e pagou o homem.

     - Me diz, tem algum lugar para dormir por aqui?

     - Essa é a ultima parada em cento e sessenta quilômetros, - disse ficando serio. – até o Motel Luna Beach.

     - Oque?! – Derek disse surpreso. – Que droga!

     - O senhor está pensando em dirigir mais? Já está anoitecendo. – ele disse em tom estranho.

     - Eu não queria, não gosto de dirigir á noite. – olhava para a estrada.

     - Nem deveria, moço, a estrada é perigosa á noite.

     - Deixa eu ver, ainda são cinco horas. . .  se eu sair daqui agora eu chego lá, quem sabe, ás dez?

     - Mais ou menos isso, senhor.

     Derek abriu a porta do carro e entrou. Só tivera tempo de colocar o saco de papel marrom com os dois hambúrgueres no banco do carona e o frentista chamou sua atenção, inclinando-se na altura da janela.

     - Se vai continuar á noite, tome cuidado, não pare o carro até chegar á parada e principalmente não dê carona á ninguém, á ninguém. – enfatizou.

     - Como? – tudo bem, essa era uma preocupação normal de qualquer um que fosse pegar a estrada deserta por horas á fio, noite á dentro, mas aquele homem colocara uma certa aflição em suas palavras. – Porque?

     - Apenas faça isso, filho.

     - Tudo bem, obrigado pela dica. – Derek deu a partida e voltou para a estrada.

     - Que Deus o proteja. – o frentista disse para si mesmo enquanto via o Bel Air se afastar até que não fosse mais visível.

     Parado ali, ao lado da bomba de gasolina, o frentista olhou para o horizonte. O sol já havia começado á se por e o céu tinha tons alaranjados e avermelhados. Fez o sinal da cruz e deu o expediente por encerrado. Deu carona para a garçonete e saiu em disparada até a sua casa, rezando para chegar antes do sol se por completo, como fazia todos os dias desde que começara á trabalhar naquela parada.

     A noite chegava rapido na estrada, e desde que deixara a parada onde enchera o tanque do carro, não vira alma viva, nenhum carro á sua frente ou vindo em direção contraria e depois de um tempo, até parecia que não havia nenhuma pessoa viva, e que estava dirigindo em uma estrada eterna.

     O silencio naquele lugar era incrível, chegava á incomodar. Outra vez ligou o radio, queria ouvir musica que prestasse, mas estava difícil, passara por uma radio de noticias, uma do tempo, e quando já havia passado pela quarta evangélica e estava para desistir, até que uma musica lhe chamou a atenção, Don’t worry, baby dos Beach Boys:



“Bem, eu venho sentindo isso

A não sei quanto tempo;

Não sei porque, mas sinto que algo

Vai dar errado;

Mas ela olhou em meu olhos

E me fez perceber

E ela disse:

Não se preocupe meu bem

Tudo vai ficar bem

Não se preocupe meu bem. . .”



     Sinceramente, ele não curtia muito musicas que fossem mais velhas que seu pai, mas aquela musica falava de carros, do prazer de dirigir, e pensando bem, tinha tudo haver com aquele momento, conhecia a musica e começou a cantar junto:



“Eu acho que deveria ter ficado quieto

Quando comecei á me gabar do meu carro;

Mas não posso voltar no tempo

Porque aticei demais meus amigos;

Ela me faz sentir vivo

Me faz querer dirigir;

E ela disse:

Não se preocupe meu bem

Tudo vai ficar bem

Não se preocupe meu bem.

Ela me disse:

Baby, quando você for correr hoje

Leve meu amor com você;

Se você soubesse o quanto te amo,

Nada poderia dar errado com você.

Oh, o que ela faz comigo

Quando fazemos amor.

E ela disse:

Não se preocupe meu bem

Tudo vai ficar bem

Não se preocupe meu bem.”



     A noite seguia tranquila, a estrada estava vazia, eram apenas ele e a estrada. A noite estava muito clara por conta da lua cheia, o farol do Bel Air só estava ligado por desencargo de consciência. Olhou em seu relógio de pulso, ainda eram sete horas, mas como estava cansado. Quando chegasse ao motel, dormiria numa cama decente e só acordaria ao meio dia, se possível. Tirou a mão do volante um instante apenas para esfregar os olhos cansados e quando voltou á prestar atenção á estrada, viu um homem andando no acostamento, andava lentamente na mesma direção que ele. O homem percebeu sua aproximação, virou-se e fez o costumeiro sinal com o dedão, pedindo carona. Derek passou direto por ele, lembrando-se das instruções do frentista sobre não parar por nada nem dar carona á ninguém, no entanto sentiu-se mal alguns metros á frente. Aquele homem devia estar andando á um bom tempo, e ele sabia que a próxima parada estava para lá de longe. Sentiu uma pena tão grande daquele cara, andando sozinho no meio do nada, sabia também que já fazia um bom tempo que não vira outro carro passando. O frentista mesmo havia dito que a estrada era perigosa para se viajar á noite, se era para alguém de carro, imagine para alguém á pé. Desobedecendo ao pedido do frentista, parou e ficou esperando o andarilho se aproximar, afinal, duvidava que aparecesse outro para fazê-lo.

     Enquanto o andarilho se aproximava, Derek ficou observando-o através do espelho, depois de ter tirado os hambúrgueres do banco, colocando-os no painel. Ele usava um casaco velho e surrado e uma calça jeans em igual estado e uma mochila com estampa camuflada á tira colo. Mas não era isso que lhe chamara atenção, era o modo como ele andava, lentamente, como se não estivesse com pressa de nada. Tinha porte atlético e àquela luz difusa, ele parecia incrivelmente branco.

     - E ai, parceiro? – o andarilho disse encostando a mão no alto da janela do lado do carona e se inclinando para ver o motorista.

     - Eu estou indo para uma parada, o Motel Luna Beach, acho que chego lá antes das dez, se quiser te deixo lá onde pode arranjar outra carona, o que me diz?

     - Para mim, está perfeito. – sorriu, mostrando dentes muito alvos.

     Derek abriu a porta para que ele entrasse e assim que o andarilho entrou, Derek disse:

     - Sem querer me intrometer no que não é da minha conta, mas o que você estava fazendo andando nessa estrada á noite? – o rapaz sorriu e disse apenas uma palavra.

     - Caçando.

     - Meu nome é Derek. – estendeu a mão para cumprimentar o rapaz.

     - Zacary. – ele respondeu com um sorriso.

     Derek voltou para a estrada e continuou seu caminho rumo ao Motel, que ainda estava longe pra cacete. Aquele rapaz, o Zacary, tinha um jeito um tanto estranho: seu cabelo negro contrastava com sua pele extremamente branca, além de deixar a área dos olhos obscurecida, suas roupas estavam muito sujas, mas tudo bem, também estaria assim se tivesse andado na estrada empoeirada ao longo de um dia inteiro.

     - Está com fome? Tenho hambúrgueres, são de hoje, pode confiar.

     - Não, obrigado. Sou. . . alérgico á esse tipo de comida. Prefiro algo mais. . . natural.

     - É por isso que estava caçando? – interessou-se e Zacary deu aquele sorriso de novo.

     - É , é exatamente por isso.

     Os dois começaram á conversar. Derek esta ávido por conversar com alguém, mesmo que fosse um desconhecido ligeiramente esquisito. Depois de um tempo de conversa, Zacary demonstrava ser educado, eloquente, como se conversar fosse algo que fizesse á séculos. Demostrou-se interessado em saber sobre Derek, de onde ele veio, para onde ia, se tinha família, e Derek foi falando, foi falando tudo. Zacary sabia fazer as pessoas se abrirem.

     - Então, resolvi pegar o carro, e estou aqui, indo para Los Angeles. E nem sei por que.

     - Triste isso. – Zacary disse depois de ouvir a historia atentamente – Mas certamente, deve haver alguém em Los Angeles esperando por você.

     - O pior é que não. Não tenho ninguém.

     - Ninguém? – Zacary disse com uma ponta de graça – Ninguém é drástico demais, pense bem.

     - Eu disse, cara, não tenho ninguém. Eu não passo de uma lembrança ruim para as pessoas que me conheceram. Se eu morresse agora, na estrada ninguém procuraria por mim.

     Zacary ficou quieto por um tempo, analisando aquelas palavras. E talvez para quebrar um pouco o silencio, Derek disse:

     - Pode me passar a garrafinha de água que está dentro do porta luva?

     - Claro. – Zacary se mexeu um pouco como se estivesse procurando algo em seu bolso primeiro, mas Derek não percebeu isso pois estava prestando atenção na estrada. Ele pegou a garrafinha de dentro do porta luva, mas antes de entrega-la á Derek, ele acrescentou: – Deixa que eu abro pra você. – Zacary, com um movimento rápido, abriu a garrafinha de agua, retirando a tampa, depois de alguns segundos (e Derek também não percebeu isso), ele entregou a garrafinha.

     Continuaram conversando, e o tempo passava sem que aquela droga de parada chegasse. A noite ficava cada vez mais escura, iluminada pela lua e pelos pontinhos luminosos do manto da noite. De tempos em tempos, Zacary sorria exibindo o seu sorriso alvo, com uma expressão que ele não conseguia identificar por já estar cansado demais. Estava exausto e de repente sentia seus olhos mais pesados do que o normal. Não estava prestando mais atenção á sorrisos ou á conversa, nem na estrada. Seus olhos estavam muito pesados e deu uma pescada rápida. Derek sobressaltou-se e aprumou-se no banco. Tomou mais um gole de agua para acordar e Zacary percebeu isso.

     - Derek, pode parar o carro um pouco no acostamento? Preciso. . . você sabe.

     - Aqui? – disse estranhando o pedido repentino - Já devemos estar chegando ao motel.

     - Não vá me dizer que está com medo do escuro?

     - Tudo bem.

     Derek diminuiu a velocidade do carro e parou no acostamento. Parou o carro num dos lugares mais ermos e escuros que já vira. Zacary abriu a porta e saiu, desaparecendo na escuridão. Derek lembrou-se então da voz do frentista lhe dizendo que não parasse o carro até que chegasse á parada, e aquela era a segunda vez na noite que parava.

     - O que pode acontecer de errado? – pensou fechando os olhos por um instante e inconscientemente lembrou-se do pregador, e seu conselho de se lembrar do Inimigo quando tudo parece certo.

     Estava tão cansado, encostou a cabeça no encosto do banco, sentia-a pesada, mas só ia encostar, não podia dormir. . .



     A primeira coisa que notou quando acordou era que estava deitado no chão, chão mesmo, batido e frio. Sua cabeça doía, sentia-se extremamente fraco, tanto que não se mexeu nem abriu os olhos por um longo tempo, só ficou ali deitado. Mas espere ai, por que estava deitado? Será que tinha cochilado no volante e batido o carro em alguma rocha, e no acidente, fora arremessado para fora do veiculo, e estaria agora estendido em alguma vala no deserto, onde ninguém iria socorre-lo. Não, lembrava-se de que havia parado no acostamento, por Zacary, adormecera esperando-o voltar. Tudo estava confuso demais. Com esforço abriu os olhos, tudo estava embaçado, mas aos poucos tudo foi entrando em foco. Estava deitado com as costas no chão e via um teto alto em cima dele, mas o teto não era comum de madeira, era rochoso e ouvia goteiras perto dele e mais adiante. Sentiu muito frio e com dificuldade pôs-se sentado e olhou em volta.

     Estava com o pé direito preso em uma espécie de grilhão de metal muito velho e enferrujado. Seu coração deu um pulo, o que estava acontecendo? Olhou em volta era uma espécie de cela, as paredes, o chão, o teto, parecia talhado em rocha e á frente uma grade de ferro do chão ao teto, era um calabouço!

     O pavor tomou conta de Derek, olhou para si mesmo e notou que suas roupas estavam sujas de sangue.

     - Mas oque é isso?

     Apavorado tateou-se em busca de algum ferimento que não estivesse sentindo e o encontrou no pescoço, porem, não sangrava mais, o sangue em sua roupa estava seco. Seco? Á quanto tempo estava ali? Tentou levantar-se porem a fraqueza fez com que caísse no chão novamente. Recuperou o equilíbrio e tentou de novo, conseguindo dessa vez.

     Em sua cela não havia nada além dele. Tentou andar até as grades, sua corrente era comprida o suficiente e o que viu era que estava em uma caverna, algumas tochas presas á parede iluminavam o lugar precariamente e a caverna se estendia longa até que a escuridão impedisse de se ver mais.

     - Socorro! – gritou – Socorro!

     Ficou uns dez minutos gritando, depois parou ao perceber que ninguém estava ouvindo. Estava apavorado, o medo do que ainda poderia acontecer tomava conta dele, desesperando-o.

     - Meu Deus, o que esta acontecendo? – disse por entre lagrimas.

     Afastou-se das grades, caminhou até um canto e sentou-se no chão. Tinha que se acalmar, ficar gritando como um louco não estava ajudando, iria poupar forças. Passou a mão no pescoço ferido, tentando saber se era muito grave, agora que parara para raciocinar, um ferimento no pescoço era perigoso. Tateou á procura de algum corte, no entanto percebeu dois orifícios pequenos.

     Muita coisa passou por sua cabeça naquele momento, a cada segundo que passava, ficava mais confuso, nada fazia sentido. Por que raios havia dois furos em seu pescoço, oque poderia ter provocado aquilo? Tudo o que queria era acordar e ver que ainda estava em seu Bel Air, no acostamento, que tudo aquilo não passava de um pesadelo bizarro. Mas tudo era real, o cheiro frio que sentia, a dor em seu pé por causa do grilhão apertado e o barulho enlouquecedor daquela goteira.

     Ficou parado sozinho, escutando o som daquela goteira, tentando manter-se calmo até que algo aconteceu. Viu o vulto de alguém se aproximando, vindo através da caverna, mas a luz não era o suficiente para que Derek divisasse a pessoa na penumbra e para ajudar, ela se movia nas sombras.

     - Ei! – gritou – Me tira daqui!

     A pessoa não apressou o passo ou fez qualquer movimento dando á entender que se importava. Ele veio caminhando mas agora, perto das tochas, o vulto tomava forma e quando a pessoa ficou perto o suficiente, Derek tomou um susto. A figura de Zacary parou, bem em frente á grade de ferro, segurava algo atrás nas costas.

     - Zacary? – disse com a voz baixa, chocado.

     - Vejo que já acordou. – aproximou-se mais.

     - Me tira daqui! – gritou outra vez.

     - Ah, vocês todos ficam repetindo a mesma coisa, blá-blá-blá, você podia ser um pouco mais esperto e poupar seu folego, eu não vou tirar você dai, ainda.

     - Oque você quer de mim?!

     - Não percebeu ainda? Seu sangue. – Zacary disse sorrindo, mostrando os caninos pontudos.

     Não, Derek não podia acreditar no que estava vendo, aquela imagem horrorosa. Tudo se explicava: seu jeito estranho, sua palidez, seus dentes pontudos, mas não podia ser, não, não acreditava nessas coisas. Isso não existe! Vampiros não existem!

     - Não! – Derek balbuciou aterrorizado, levando a mão ao ferimento – Seu desgraçado! – alterou-se – Eu fui legal com você, te ajudei quando ninguém ajudaria, por que eu?!

     - Por quê? Meu caro Derek, você foi esquecido pelo mundo. Ninguém vai perceber sua falta. Você é a presa perfeita.

     - Presa? – a voz saiu vacilante.

     - Não menti quando disse que estava caçando. Normalmente, eu prefiro andarilhos ou motoristas sem destino, como você. Dão menos trabalho. Posso me alimentar do seu sangue por dias, e ninguém virá procura-lo.

     - Não! – começou a bater na grade com as mãos e a chutar com a perna que não estava presa á corrente, numa demonstração de histeria.

     - Contenha-se homem! Aceite seu destino com um pouco de dignidade. – disse em tom de brincadeira.

     Jogou o que estava escondendo nas costas dentro da cela através das grades, era um saco de papel com algo dentro.

     - Agora coma, você tem que durar pelo menos duas semanas. – ele sorriu vitorioso - Vou dormir agora, e quando acordar, estarei com fome.

     Zacary soltou uma gargalhada grotesca e caminhou de volta por onde veio até sumir de vista.

     A cada minuto, aquele pesadelo ficava pior. Vencido e sem mais nada que pudesse fazer, deixou-se cair derrotado no chão, ao lado do saco de papel que Zacary havia jogado dentro da cela. Estendeu a mão e pegou o saco, abrindo-o e deparando-se com os dois hambúrgueres que havia comprado no posto de gasolina. Sem saber porque, começou á rir, á rir alto, tanto que soluçava.

     - Ainda bem que eu comprei essa porcaria! – ria desesperado – E é o pior hambúrguer que eu já comi na minha vida! O pastor tinha razão, o Demônio estava esperando!

     O riso gradativamente foi se transformando num ataque histérico, ele simplesmente não conseguia parar de rir, o que o estava assustando, pois essa não era uma situação para risos. Tentou controlar-se, não poderia perder a cabeça agora, tem gente que enlouquece sob um estresse muito grande e isso não aconteceria com ele. Tinha que raciocinar, olhou em seu relógio de pulso, eram seis horas. Deduziu que era de manhã, pois o sangue em sua roupa estava seco e Zacary havia dito que iria dormir, se ele era um vampiro mesmo, deveria evitar o sol. Tudo bem, Derek tinha pouco tempo até que Zacary levantasse pronto para um lanchinho, então tinha que colocar sua cabeça para funcionar e arranjar um jeito de sair dali. Mas além das grades, havia ainda o corrente em seu pé, prendendo-o mais ainda ao seu funesto destino.

     Olhou em volta, á procura de algo que pudesse usar para se soltar, como já foi dito, não havia nada dentro da cela além dele. Aproximou-se da grade para ver se encontrava algo perto o suficiente. Perto das tochas, á um metro e meio de distancia da cela, havia uma jarro grande no chão, com uma rachadura da qual vertia um liquido translucido, tanto que o vazamento havia feito um pequeno riozinho que chegava bem perto da grade. Derek ficou curioso e se abaixou e se esticou todo para alcançar o liquido. Só a ponta do dedo indicador conseguiu. Ao tocar o liquido, percebeu que era oleoso, sentiu o cheiro forte e percebeu que era banha, do que, não queria nem pensar.

     Então, uma ideia lhe ocorreu, horrorosa e nojenta. Já tinha visto isso em um filme, sim, em um filme, nunca imaginou que um dia duas horas perdidas de sua vida assistindo um filme B de péssima qualidade lhe dariam a deixa de uma ideia que poderia salvar sua vida, e o pior, que poderia até dar certo.

     Primeiro tirou sua jaqueta e sua camisa e as amarrou uma na outra, fazendo uma teresa, porem diferente, onde as mangas da jaqueta estavam amarradas juntas nas mangas da camisa, de forma que quando jogasse a corda improvisada, a jaqueta abraçaria o jarro e ele tombaria quando ele puxasse. Aproximou-se da grade e jogou em direção ao jarro. Jogou uma vez, jogou duas vezes, na terceira acertou e a jaqueta fez o que deveria. Puxou e o jarro tombou, se quebrando com o tilintar da cerâmica. Por um momento Derek não se mexeu e só ficou escutando, tentando saber se Zacary teria ouvido e agora estaria vindo para acabar com ele. Esperou um pouco, e como não ouviu nada, continuou seu plano.

     O óleo veio trilhando seu caminho através do chão de rocha até alcançar a cela e entrar pelo vão das grades. O óleo era espesso agora e tinha um tom escuro, o cheiro era horrível, mas Derek pegou um punhado e derramou no pé com o grilhão. Gira daqui, puxa dali, empregava tanta força que fios de sangue escorriam pelo tornozelo, mas não podia parar. Com um pouco mais de óleo, conseguiu se libertar da corrente.

     Ótimo, até agora estava dando certo. Agora que seu pé estava livre, tinha que sair da cela. Olhou para a grade, tinha que se concentrar nela. Era velha e enferrujada, Zacary devia estar fazendo isso á séculos. A parte de baixo estava desgastada e um pouco solta por causa dos vários chutes das presas passadas em sua vã tentativa de fuga e essa ideia o mortificou, ficou pensando nas inúmeras pessoas que morreram ali, apenas esperando o momento em que Zacary abrisse a cela para se alimentar em seu sangue. Balançou a cabeça tentando afastar esses pensamentos e se concentrou. O espaço entre as barras de ferro que compunham a grade não era muito estreito mediu com a mão, tinha um palmo de distancia entre uma e outra. Seu ombro passava, mas seu tronco não, mas era por pouco, tinha emagrecido bastante desde que começara a viagem.

     Olhou para o óleo que invadia a cela e teve uma ideia no mínimo maluca, mas pensou que se deu certo com seu pé e o grilhão que o prendia, por que não tentar? Se não desse certo, em algumas horas viraria jantar daquele vampiro asqueroso. Tirou o resto da roupa, juntou tudo e jogou do lado de fora da cela, depois, pegou bastante óleo do chão e untou o corpo todo. Quase vomitou, pois o cheiro era horrível, mas tinha que fazer. “Vou precisar de um belo banho se eu conseguir sair dessa”, pensou. Então voltou as grades, respirou fundo e começou sua tentativa de fuga.

     Primeiro, passou a perna direita, então o braço direito e o ombro. Concentrou-se ao máximo no que estava fazendo, tinha que relaxar o corpo e escorregar. Com certa dificuldade, foi escorregando o tronco através das barras, passou a cabeça, o ombro esquerdo e a perna esquerda, estava livre!

     Conteve-se para não gritar de alegria, não queria fazer nenhum ruído que pudesse acordar o vampiro. Rapidamente vestiu-se e o mais rápido que pôde, preocupou-se em sair da caverna. Foi caminhando pela câmara, não fazia ideia de como era extensa. Demorou meia hora para sair da caverna, deparando-se com um dia claro lá fora e a luz do dia feriu seus olhos.

     Do lado de fora da caverna, Derek deparou-se com uma imagem aterradora, um cemitério de carros abandonados, dezenas, por todos os lados, ele realmente devia fazer isso á séculos. Não foi difícil achar seu carro, seu Bel Air vermelho, sendo o único carro dessa merca sem estar caído de podre. Que idiota! Zacary havia deixado as chaves no contato, certamente ele não esperava que Derek conseguisse se libertar e voltar ao carro. Deu a partida e saiu daquele lugar horrível por uma entrada de carros não cantou pneu, esperou até chegar ao asfalto para isso e então dirigiu rápido, como nunca havia dirigido na vida e não olhou para trás.

     Agora já um pouco mais calmo, Derek conseguia deduzir o que acontecera. Zacary era um vampiro caçador, viva nas cavernas e de tempo em tempos saía para caçar na estrada, andarilhos e motoristas sem família para se alimentar. Usava essa tática de mochileiro para atrair e dava um jeito de atordoar a pessoa antes de leva-la á cela. Agora que parava para pensar, dera abertura para isso, quando pedira a agua, ele deve ter colocado algo em sua agua que o dopara, então pegara o carro que conduzira até o covil, onde seria mantido prisioneiro até a hora final.

     Derek corria como um louco na estrada, logo o sol desapareceria e a noite chegaria. Zacary acordaria e dessa vez ele não seria tão educado.