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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

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"Sebastian" parte II, cap II

Parte II
Capitulo II
"Liberdade"
 

       Eva mandara servir á Sebastian uma boa refeição no quarto mesmo, puxa, como estava com fome. Ele esperou que ela voltasse durante certo tempo, mas ela não veio. Procurou então suas roupas no closet e as encontrou cuidadosamente dobradas. Vestiu-se pensando em tudo que Eva lhe disse e se deveria ir embora sem falar com ela. Eva era agora uma senhora distinta, que não deveria se misturar com esse tipo de gente. “É melhor assim.” Pensou. Divida por divida, á seu ver estavam quites. Tudo o que queria era falar com Francesco e explicar por que voltava há essa hora e sem dinheiro.

       Saiu pela porta de seu quarto e deparou-se com um corredor cheio de portas, a ala dos quartos. Atravessou o corredor mancando e ao final havia uma escada que levava á sala de estar. Desceu a escada e observou que a sala era grande e bem decorada com móveis antigos, porém bem conservados. Obras de arte, esculturas e quadros davam um ar sofisticado ao ambiente.

       Atravessava a sala e percebeu que havia na parede do lado direito uma porta de vidro que levava a uma varanda. Pôde ver Eva através do vidro, sentada sozinha numa mesa branca redonda de quatro cadeiras, saboreando um chá. Ela parecia entretida naquilo e parecera não notar que Sebastian a observava, no entanto, começou á falar.

       - Já vai indo Sebastian? Sem se despedir? – disse calmamente. – Venha até aqui.

       Bem, já que seu plano de sair de fininho havia ido pelo ralo, tudo bem. Caminhou até a varanda que era grande como numa casa de campo e dava a volta na casa Aquela era só uma das três portas de acesso á varanda.

       - Sente-se. – Eva continuou.

       Meio relutante Sebastian obedeceu.

       - Eu lhe disse que nossa conversa não havia acabado. – Eva dizia calma.

       - Eu sei, mas eu preciso ir, tem gente esperando por mim. – não queria dizer que tinha que encontrar com Francesco, nem mesmo o motivo.

       - Se já esperou até agora, pode esperar mais um pouco. – deu uma golada em seu chá e recolocou a xícara na mesa. - Encontrei uma coisa em seu bolso, - disse procurando uma coisa em seu próprio bolso e colocou em seguida sobre a mesa um pacotinho transparente de plástico com um conteúdo que parecia um pó branco. - É seu?

       Sebastian desviou o olhar envergonhado. Sentia-se mal agora que Eva havia descoberto sua fraqueza. Ficou em silêncio reavaliando os motivos que o fizeram recorrer aquilo e isso só fez com que desejasse loucamente aquele pacotinho em cima da mesa. O pior de tudo era encarar a realidade e saber que aquilo não melhorava as coisas, apenas as maquiava, e quando o efeito passava, seus problemas continuavam ali, prontos para atormentá-lo de novo.

       - Eu tentei não me agarrar a isso. - disse sem conseguir encara-la – No começo eu pensei que força de vontade bastaria. – ele esfregou o nariz. - Eu estava errado.

       Eva adiantou-se e segurou a mão de Sebastian entre as suas num gesto acolhedor. Ela não o julgava, ele podia ver em seus olhos que ela não o julgava e isso mexeu com ele. Tanto que Sebastian desviou novamente o rosto, pois não queria que ela visse que ele começava a chorar.

       - Acho que é sua vez de contar a sua historia. – ela olhava e falava com ele de um jeito terno, como há muito tempo não falavam.

       Sebastian fitou-a, respirou fundo e contou tudo. Tudo desde aquele dia fatídico no qual sua vida acabara: o dia em que seu pai morrera. Contou como fora vendido e tirado de seu país e de como fora jogado nas ruas por Don Giovanni e tudo o que acontecera desde então até a noite passada, na qual se encontraram de novo. E contar tudo isso o fazia desejar o pacotinho como louco.

       - E é isso. – disse limpando as lagrimas dos olhos ao fim do relato – E agora que sabe quem eu sou e tudo o que fiz, que não sou o anjo que você pintou esses anos todos, longe disso, pois anjos não vivem no inferno. Sabendo de tudo isso, ainda acha que eu mereço sua ajuda, sua gratidão? – disse rude.

       - Agora mais do que nunca. – respondeu sem pensar duas vezes. – Vou ajudá-lo a sair dessa, pode ter certeza.

       Sebastian riu forçadamente.

       - Você tem bom coração. Na minha vida encontrei poucas pessoas assim. Você tem fé, – disse levantando-se. – mas não pode me ajudar.

       Sebastian ia afastando-se em direção á porta de vidro quando Eva chamou sua atenção.

       - Espere. – disse fazendo-o parar e virar para ela.

       Sebastian não havia percebido, mas havia uma bolsa pendurada em uma das cadeiras daquela mesa, e ele viu quando Eva pegou a bolsa e tirou de dentro um talão de cheques.

       - O que está fazendo? – ele disse intrigado.

       - Já que você está indo embora, vou pagar pelo tempo que ficou aqui. – disse séria.

       - Não quero seu dinheiro. – disse ríspido.

       - Mas quanto á Francesco?

       - Eu me viro. – aproximou-se e deu um leve beijo nos lábios dela. – Adeus Eva.

       Lentamente afastou-se e saiu pela porta de vidro de volta á realidade de sua vida, rumo á uma conversa com Francesco que só poderia ser descrita como dolorida.

       Eva sentia-se tão impotente em não poder fazer nada para ajudá-lo, mas também ele era orgulhoso demais para admitir que precisava de ajuda. Tudo bem, não importava, não ia desistir tão fácil assim.

 

       A noite chegou e no centro de Nápoles, o trio estava outra vez em seu ponto em frente a lanchonete. Sebastian levara outra surra, dessa vez de Francesco, pela perda do dinheiro e não estava se aguentando de dor, mas tinha que trabalhar mesmo machucado. Essa era sua vida e seria sempre assim, não importava o quanto encontrasse pessoas boas como Eva, elas iriam embora muito rápido. Então acordava e voltava para as ruas, onde era seu lugar.

       Estava sentado no degrau da lanchonete por não conseguir nem ficar em pé, o que estava deixando seus amigos preocupados.

       - Cara, o Francesco exagerou dessa vez. – Pietro disse alarmado.

       - Mas também, ele voltou aquela hora e sem dinheiro. – disse Luigi.

       - Eu estava com aquela moça. – Sebastian disse com dificuldade.

       - Poderia ter aceitado o dinheiro dela. - argumentou Pietro. – Talvez ele não tivesse te batido. . . tanto.

       Ficaram discutindo isso por um tempo até que um carro conhecido estacionou perto deles. Era Eva, que outra vez vinha procurá-lo.

       - Você não desiste, não é? – disse Sebastian ainda sentado.

       - Vai entrar logo nesse carro ou vou ter que trazer você arrastado como da última vez? - Eva disse com um sorriso zombeteiro que provocou risos em todos.

       - Seja lá o que foi que você fez para ela estar tão na sua desse jeito, por favor, me ensina. – Pietro disse impressionado.

       Com dificuldade Sebastian levantou-se e mancando caminhou até o carro, abriu a porta e entrou.

       - O que quer comigo agora?

       - Eu pensei que poderíamos dar uma volta por ai.

       - O que quer comigo. – repetiu a pergunta, notando uma segunda intenção no ar.

       - Tenho uma surpresa para você, mas primeiro você terá que confiar em mim. – disse enigmática.

       - Confiar? – pareceu pensar a respeito. – E eu tenho escolha?

       - Não. – ela sorriu.

       Eva deu a partida no carro e foi dirigindo pelas ruas noturnas, num momento que parecia irreal. Ambos estavam em silêncio, cada um com seu pensamento. Eva exibia um singelo sorriso de satisfação e Sebastian olhava tristemente para o lado de fora através da janela. Já havia perdido a conta de quantas vezes passara por aquelas ruas á noite, rumo a algum lugar que não queria ir. Não conseguia se acostumar, todo esse tempo aparentando não se importar era apenas para esconder o que realmente sentia: pavor, do momento que o cliente dizia olá, até o momento que ele dizia adeus. Porém não se sentia assim com Eva. Tudo bem, ela não era exatamente uma cliente. Não sabia explicar, não sentia aquela sensação ruim perto dela, e isso devia significar alguma coisa.

       Já estavam circulando á certo tempo e Sebastian conhecia muito bem aquelas ruas. No entanto, percebeu que o caminho que estavam pegando estava começando a ficar familiar demais.

       - Onde estamos indo? – Sebastian perguntou começando a ficar ressabiado.

       - Vai ver. – Eva disse enigmática.

       Ele conhecia bem aquelas ruas, e ainda mais o caminho. Já o havia feito milhares de vezes. Começou a ficar inquieto e nervoso Ela não podia estar levando ele para lá, não ela. Porém quando o carro entrou naquela rua teve certeza, estavam indo para a mansão de Don Giovanni.

       Logo chegaram aos portões daquele imponente imóvel branco, estilo colonial com jardim bem cuidado, tudo muito lindo, com exceção dos guardas armados que vigiavam a casa. O carro estacionou e ficou esperando, até que os guardas vieram até eles.

       - Por que me trouxe aqui? – disse Sebastian com visível nervosismo

       - Eu já disse para confiar em mim. – Eva respondeu séria.

       Nesse momento os guardas se aproximaram e Eva abaixou o vidro, recebendo-os com um sorriso simpático.

       - Seu patrão Don Giovanni está? Tenho negócios a tratar com ele.

       Os guardas se entreolharam confusos e desconfiados. Um deles pegou o radio e disse:

       - Vicenzo, tem uma senhora aqui com o americano. Querem falar com o chefe.

       Depois de um tempo de silêncio, pôde-se ouvir a voz etérea que saia do radio:

       - Deixe-os passar. – era a voz de Vicenzo.

       Eles sorriram, abriram o portão e os dois entraram com o carro pela entrada através do jardim. Ao saírem do carro, em frente á porta principal, aqueles mesmos dois guardas que abriram o portão estavam lá para revistá-los, como dizia o chefe, “regras da casa”.

       A porta principal foi aberta por uma empregada que Sebastian conhecia e lhe dissera um olá seco. Ela os acompanhou até a sala e logo Vicenzo apareceu, pedindo que o acompanhasse até o escritório, ali no térreo mesmo.

       Sebastian sentia calafrios cada vez que entrava naquela casa, pois em todas as vezes, algo ruim acontecia. O que Eva queria com Don Giovanni? Provavelmente iria arrumar encrenca e ele ia acabar se ferrando de novo.

       Na sala havia uma porta que era o escritório, Vicenzo a abriu e Sebastian deparou-se com o criminoso, analisando calmamente alguns papéis em sua grande mesa de mogno. Nunca havia entrado em seu escritório, era um lugar bem bonito, em contraste com as coisas que deveriam acontecer lá dentro quando as portas se fechavam.

       - Não costumo receber gente sem hora marcada, Sebastian, devia saber disso. – disse sem tirar os olhos dos papéis. – Mas teve sorte de me pegar de bom humor.

       Ele levantou o rosto. Estava mais velho, claro, mas não menos bonito. Seu ar sedutor e arrogante só parecera aumentar. Os olhos vermelhos tão penetrantes analisavam a dupla agora e sorria aquele sorriso cínico de bandido característico dele e daquele outro, Robert Murphy.

       Levantou-se e estendeu a mão para Eva.

       - Eu não te conheço, mas você certamente me conhece. – disse com voz macia.

       - Sou Eva Stefanelli. – cumprimentou ele educada.

       - Sente-se, senhora Stefanelli. – disse sentando-se novamente, apontando a cadeira á sua frente. – Vejo que já conheceu um de meus garotos.

       - Sim. – Eva disse sentando-se.

       - Mas oque aconteceu com ele? – Don Giovanni disse ao reparar nos hematomas no rosto dele.

       - Bem. . . – Sebastian ia começar a falar quando Eva o interrompeu.

       - Isso, Don Giovanni, é o que acontece com seus garotos nas ruas. – Eva disse alfinetando-o - Mas esse não é o motivo que me trás aqui.

       - E qual seria? – perguntou dando de ombros.

       - Quero pagar a dívida que Sebastian e os irmãos Tomazi têm para com o senhor.

       - O que?! – Sebastian e Dom Giovanni disseram juntos incrédulos.

       - Eva, não precisa fazer isso. – Sebastian disse ao perceber o que ela queria fazer, porém ela o ignorava.

       - Diga em quanto está a divida, que eu estou disposta á pagar. – continuou.

       - Está brincando? – disse Don Giovanni.

       - Está louca? – protestou Sebastian.

       - Tenho cara de quem está brincando, Don Giovanni? – disse Eva decidida.

       - Senhora Stefanelli, - Don Giovanni disse em tom de deboche - ele não é tão bom de cama assim, eu sei, eu o provei. – ele disse ferindo Sebastian.

       - Os motivos que me fazem querer ajudá-lo não estão em discussão aqui.  – ela retorquiu - Então, diga logo quanto você quer. – disse pegando da bolsa o talão de cheque e uma caneta.

       Don Giovanni pareceu pensar um pouco analisando a situação. Então de repente disse:

       - Quinze mil por Sebastian e mais dez mil por cada gêmeo. – disse vendo-a escrever no talão. – Tem certeza de que quer fazer isso? Quem é você?

       - Apenas uma mulher rica. – ela terminou de escrever, destacou a folha e entregou ao homem á sua frente. – Ai tem cinquenta mil: quinze por Sebastian, dez por cada gêmeo e mais quinze para deixá-los em paz daqui para frente.

       Don Giovanni esboçou um sorriso seguido de um franzir de testa.

       - Eu não sei. . . – ele relutou com o cheque nas mãos.

       - Quer que eu aumente o valor? – disse ele decisiva em resposta.

       - Não, o valor está ótimo. – ele analisou o papel outra vez. – Está feito, Eva. - levantou-se e caminhava em direção ao rapaz. – Eu me lembro de quando você entrou por aquela porta pela primeira vez. Tão assustado e arisco, como um filhote de gato. – sorrindo aproximou-se e o abraçou. – Você sempre foi meu preferido. – tocou seu rosto e o beijou nos lábios. – Quando precisar de mim, sabe onde me encontrar. Minhas portas sempre estarão abertas para você.

       Sebastian estava pasmo, atônito. Não acreditava no que acabara de acontecer ali, bem na frente de seus olhos. Será que era um sonho? Só podia estar sonhando. Estava livre, livre! Eva, aquele anjo, pagara sua divida. Não era mais propriedade de Don Giovanni.

       - Vamos querido. - Eva levantou-se e o pegou pelo braço. – Você nunca mais terá que vir até aqui de novo.

        Saíram do escritório. Eva puxava-o pelo braço e atravessaram a sala e saíram pela porta. Sebastian ainda estava entorpecido pela noticia, tinha os olhos marejados. Pararam em frente do carro dela e se abraçaram.

       - Isso está mesmo acontecendo? – Sebastian perguntou quase sem voz.

       - Está sim, meu querido. Agora tudo vai ser diferente.

       Eva entrou no carro, porém Sebastian ficou mais um tempo do lado de fora, respirando fundo e pela primeira vez em dez anos, como um homem livre. Quando entrou no carro ainda limpava os olhos com as costas das mãos. Para Eva era bem diferente vê-lo chorar de tristeza e vê-lo chorar de alegria.

       - Aonde quer ir? Já está tarde. – ela disse animada.

       - Eu não sei. - disse parando para pensar. – Aquele galpão no porto foi demolido alguns anos atrás, desde então não temos lugar certo para ficar.

       - Então vamos para minha casa. Lá você vai dormir e amanhã. . . Bem, amanhã nós pensaremos em alguma coisa. – sorria confiante.

       Sebastian segurou sua mão e olhou fixamente em seus olhos.

       - Eu nunca vou conseguir te pagar. . .

       Eva sorriu e acariciou seu rosto.

       - Quando eu te conheci, você tinha uma sombra no olhar. Veja só, ela sumiu. – disse sorrindo. – Esse é meu pagamento. – disse Eva com o sorriso mais doce que Sebastian já vira.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

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"Sebastian" Parte II, cap I

Parte II
Capitulo I
"Alguém do Passado"


       1993

 

       O que aconteceu durante esses dez anos que se passaram não é difícil de imaginar. Em Aaron River comentou-se durante certo tempo sobre um garoto que havia matado o pai e se matado. Mas como ninguém se importava, logo deixaram de falar sobre o assunto. Às vezes alguém lembrava vagamente quando passavam pelas ruinas da oficina, mas assim como se faz quando se vê um comercial contra o cigarro e se pensa: “Nossa, o cigarro mata.” e se esquece disso assim que o comercial acaba, assim acontecia com os Desmont. A pessoa seguia seu caminho voltando a se preocupar com seus próprios afazeres e deixavam a tragédia no esquecimento.

       Todos se esqueceram. Todos menos April que rezava pela alma de Chandler todos os dias, fiel á sua lembrança. April sempre teve esperança de um dia ele voltaria, com aquele sorriso lindo que ele tinha e esperou por ele. Esperou durante muito tempo e foi ai quando começou a entender que deveria deixar seu espirito em paz e que deveria começar a viver sua vida, mas nunca deixara de rezar por ele.

        Já o garoto, durante certo tempo teve esperança de que algo aconteceria e ele se libertaria. Voltaria para casa, não importava quando tempo demorasse e por muito tempo manteve essa esperança. Os dias tornaram-se meses, os meses tornaram-se anos, e quando os anos começaram a passar, sua esperança se foi com eles, e quando finalmente percebeu que nada extraordinário aconteceria para libertá-lo, já era tarde demais.

       Sebastian não teve uma vida fácil. Embora tivesse resistido o quanto pôde, embora tivesse lutado para não cair na criminalidade nem em algo degradante, embora tivesse passado fome, frio, e uma série de outras coisas pelas quais uma criança não deveria passar, não teve jeito. Invés de diminuir, sua divida para com Don Giovanni só parecia aumentar e nada do que fizesse parecia suficiente. Então, depois de muitas lágrimas e sofrimento, Sebastian furtou, roubou, aplicou golpes e fez o que era preciso. Mesmo assim, seus esforços pareciam inúteis para a quantia absurda que era exigida, cada vez mais alta, então teve que ir além. Nunca matara ninguém, de resto, fizera de tudo. E talvez para matar o resto de consciência que o atormentava e não o deixava dormir, drogou-se.

        Foram anos de sofrimento, muita dor para alguém tão jovem. Sebastian havia se tornado apenas uma sombra do que fora antes, as ruas haviam roubado sua essência deixando apenas um fantasma de olhos verdes, sem alegria ou esperança, vagando pelas ruas da cidade.

       Assim ele cresceu, triste, depois a tristeza tornou-se conformismo. Sabia que jamais conseguiria pagar a divida e ser livre de novo, sabia que talvez em um belo dia alguém o matasse, quem sabe Francesco. Mas isso não importava, nada mais importava. Quanto ao homem que se tornou, era uma cópia idêntica de seu pai, numa versão mais surrada claro, mas ainda assim, belo como nenhum outro homem de Nápoles.

 

       Havia certa noite uma mulher num restaurante fino de Nápoles. Ela estava sentada sozinha numa mesa junto á janela observando o movimento do lado de fora com um ar vago. Ela era morena, os cabelos no ombro. Usava um discreto vestido azul marinho que contrastava com sua pele branca. Não aparentava ter mais do que trinta e poucos anos. Bonita, elegante, sozinha. Quem a olhasse, diria que se tratava de uma mulher que esperava entediada o amante atrasado para o encontro, mas não era isso o que fazia. Não havia nenhum namorado a esperar, ela era apenas o que aparentava ser: uma mulher sozinha, que talvez permanecesse assim pelo resto de seus dias.

       Ela pediu um drink que não bebeu, e depois de uma hora sentada sozinha, com o drink intocado na mesa, chamou o garçom, pagou a conta e foi embora, pegando um taxi na porta do restaurante e sumindo na avenida.

       Uma mulher estranha? Não, apenas uma mulher que não suportava mais a imensidão de sua casa onde seus pensamentos pareciam ecoar tão alto que a estavam enlouquecendo.

       Eva era uma boa mulher, considerada por quem a conhecia um exemplo. Ia á missa, contribuía com a caridade, era rica, mas nada disso parecia preencher o vazio em seu coração.

       O carro em que Eva estava passava pelas ruas e ela não reparava em nada. Olhava para as calçadas absorta em pensamentos até que param em um sinal vermelho. Teve um susto, seu coração quase saíra pela boca e se já não fosse o fato de estar sentada, teria caído. Mais á frente, a uns três metros do taxi, havia um trio de rapazes encostados á parede de uma lanchonete. Dois deles pareciam irmãos, muito parecidos, altos e cabelos negros, mas não eram eles que haviam chamado sua atenção e sim o outro que estavam junto deles. Era um rapaz de aparência abatida, roupas velhas e surradas, os cabelos negros desgrenhados, fumava um cigarro e parecia entorpecido. Conhecia aquele rapaz, sim, lembrava-se dele. Há muito tempo atrás o conhecera numa praia, numa época quase tão longínqua quanto o inicio dos tempos. Ficou atordoada, até que o carro começou a andar.

       - Não! Pare! – protestou ao motorista.

       Por coincidência, o carro havia parado bem á frente do trio. Eva abaixara o vidro e ficou olhando bem para o rosto do rapaz que reparou e começou a encará-la em troca.

       - Sim? – disse Sebastian notando que o negócio era com ele.

       Porém Eva não disse nada, estava paralisada com aqueles olhos verdes, no entanto, ele parecia não a reconhecer. Sebastian riu, jogou o cigarro fora e veio em direção ao carro, com o andar arrogante que aprendera com Francesco e se encostou ao carro.

       - Em que posso ajudar? - disse em fluente italiano.

       - Eu. . . – Eva tentava dizer alguma coisa, mas estava sem palavras. – Eu. . . – gaguejou.

       - Olha Dona, eu cobro oitenta liras por hora. – disse para encurtar a conversa e facilitar as coisas.

       Ele era um garoto de programa?! Que horror, que destino terrível haveria de aguardá-lo nessa vida assim perigosa. Isso a abalou de tal forma que ela recostou-se no banco, chocada.

       - Espera ai. – disse ele parando para pensar - Eu não te conheço de algum lugar? – Sebastian disse olhando bem para o rosto dela, então riu. – Oi Eva. – mas não era um sorriso normal, havia cinismo nele. – Como vai? Tem mergulhado ultimamente?

       - Já faz muito tempo que não nos vemos, Sebastian. – ela disse abalada.

       - É, tipo, uma eternidade. – suas palavras eram carregadas de sarcasmo. Como ele havia mudado.

       - Oque aconteceu com você? – disse ainda abalada com a mudança nele. – Você está diferente.

       - Diferente? – riu pesadamente. – Isso é o que acontece quando você passa os últimos dez anos nas ruas. – ele a alfinetou - Mas você está ótima, quero dizer, olha só pra você: vestido bonito, brincos caros. É rica, não é? É claro que é, reconheço um rico quando vejo um. E já vi muitos. – disse com um sorriso amargo.

       Eva não conseguia acreditar que aquele rapaz que estava ali na sua frente era o mesmo garoto inocente que conhecera anos atrás, aquele garoto doce que lhe salvara a vida e que lhe mostrara a importância de não desistir. Aquele era outro, alguém amargurado, esquivo, rude. Não podia acreditar que era nisso que ele havia se transformado.

       - Sebastian, quero conversar com você, mas longe daqui. – suplicava com os olhos. Ele riu forçadamente.

       - Eu cobro oitenta liras por hora. – disse deixando ela atônita.

       - Quer que eu pague? – estava chocada com a frieza dessas palavras.

       - Se não está disposta á pagar, vá embora. Não posso desperdiçar meu tempo. Estou trabalhando e se você quiser um “momento” comigo, vai ter que pagar como qualquer cliente. – disse ríspido.

       Boquiaberta, Eva abaixou a cabeça completamente horrorizada com o que acabara de ouvir. Com aperto no coração disse ao motorista do taxi que prosseguisse.

       - Será que foi algo que eu disse? – Sebastian zombou, virando-se para Luigi e Pietro.

       - Quem era? – Luigi perguntou curioso.

       - Alguém do passado. Sebastian respondeu acendendo outro cigarro.

 

       Por que ele agira dessa forma com ela? Ele fora tão rude, muito diferente daquele garoto que conhecera. Bem, ele já não era mais um garoto, era um homem. Um homem amargo e frio, maltratado pela vida e que provavelmente aprendera a contar só com ele e ninguém mais.

       Ah, se ele soubesse como Eva pensava nele esses anos todos, como ansiara reencontrá-lo, porém não imaginava que seria desse jeito. Se Sebastian soubesse como a ajudara durante esse tempo todo, não só naquele dia na praia, mas sempre que pensava em desistir lembrava-se daquelas palavras: “Não desista por causa de um tombo apenas.”. Se ele soubesse de tudo. . .

       Já estava deitada em sua cama enquanto ruminava seus pensamentos, quando um trovão tirou-a de seus pensamentos. Olhou para a janela, chovia forte lá fora. Seu coração se apertou mais ainda. Será que ele estava bem? Será que tinha um lugar para ficar? Tantas coisas martelavam em sua cabeça. Olhou para o relógio digital na cabeceira da cama no criado mudo, era uma hora da manhã. Isso não estava certo, tinha que fazer alguma coisa. Mordeu o lábio inferior inquieta e decidiu-se. Levantou-se da cama jogando os lençóis longe. Correu para o closet á direita da cama, abriu a porta e pegou um casaco, colocou-o rapidamente, saindo pela porta do quarto que era em frente da cama.

       Desceu a escada que dava para o primeiro andar e pegara as chaves do seu carro na cozinha. Não o usara para ir ao bar porque não gostava de dirigir á noite, mas nesse caso. . . Foi até a garagem e saíra pela noite em busca de Sebastian.

       A casa dela ficara numa parte afastada da cidade, numa área mais rural de Nápoles onde ficava seu vinhedo e por isso demorava uns quarenta minutos para chegar ao centro. Queria voltar ao lugar onde o encontrara, mesmo sendo difícil de dirigir e procurar por ele com a chuva embaçando os vidros do carro.  Provavelmente ele não estava mais perto daquela lanchonete e olhava para a rua atenta agora.

       Foi quando viu num beco algo acontecer. Três homens espancavam um. Eva parou o carro e os agressores se entreolharam e correram para o lado contrário, certamente deviam ter achado que era a policia. Correram e deixaram a vítima lá e Eva reconheceu a vitima com sendo Sebastian, que jazia desmaiado no chão.

       Abriu a porta do carro e saiu correndo deixando-a escancarada. Correu na chuva até ele, ajoelhando-se ao seu lado, haviam batido muito nele.

       - Acorda Sebastian! – Eva tentava reanimá-lo, dando batidinhas em seu rosto.

       Ele estava acordado agora, mas parecia um pouco entorpecido. . . Ele estava drogado! Ele tentava afastá-la com os braços.

       - Aqueles desgraçados. . . – foi a única coisa que Eva conseguiu discernir das várias coisas sem sentido que ele dizia.

       - Se apoie em mim, vamos sair daqui.

       Eva pegou um de seus braços e fazendo com que ele se apoiasse nela e com dificuldade conseguiu conduzir Sebastian até o carro. Tudo o que ela queria era tirá-lo dali e levá-lo para algum lugar seguro. Isso não era vida. Ainda não conseguia entender como ele entrara nessa, mas ajudaria ele á sair.

 

       Sebastian acordara com uma baita dor de cabeça e dor no corpo todo, com a garganta seca e uma vontade louca de fumar. O que tinha acontecido mesmo? Ah, sim, três caras o roubaram e o espancaram. Lembrava-se de se despedir de seu ultimo cliente que o havia trazido  de carro até o beco, depois de terem passado duas horas num motel. Logo depois esses caras apareceram, o pegaram sozinho e desprevenido, roubando tudo o que havia ganhado á noite. Que vida!

       Estava acordado havia um tempo, mas só abrira os olhos momentos depois por causa da claridade. Onde estava? Viu que estava em um quarto grande, deitado numa cama limpa de lençóis brancos e finos que só via em casa de gente rica. Pôs-se sentado, embora a dor em sua barriga o fizesse se arrepender disso. Olhava para o quarto grande e bonito. Á frente da cama havia uma penteadeira com um espelho no qual podia se ver. Via que ele próprio estava estranho, com um pijama azul escuro, limpo e cheiroso. Havia um curativo em sua testa no supercílio direito e um corte no lábio inferior, e claro, um olho roxo. Ao lado da penteadeira havia a porta, na parede direita o closet, na outra parede uma estante com livros e objetos de decoração. Havia ainda uma escrivaninha e outra porta aberta que era o banheiro.

       O que havia acontecido? Como fora parar lá? Tá certo que tinha exagerado na dose ontem, mas isso era estranho. Olhou-se no espelho mais uma vez. Será que isso era alguma brincadeira de Don Giovanni? Pois se fosse, era de muito mau gosto. Ouviu então passos do lado de fora do quarto e a porta abriu. Era Eva, com um sorriso no rosto, parecia feliz ao vê-lo.

       - Bom dia, Sebastian. – disse enquanto caminhava em direção á uma poltrona ao lado da cama e sentou-se.

       - Você de novo? Está me perseguindo? – ele disse rude.

       - Ainda bem que estou, não é? – disse com um sorriso amável. – Fui te procurar de novo de madrugada e te encontrei numa situação no mínimo desconfortável. Tive que trazê-lo para minha casa.

       - Olha Eva, eu agradeço o que fez por mim, mas eu preciso ir. – Sebastian fez menção de se levantar, mas Eva o impediu delicadamente.

       - Ainda não, está muito machucado. – Eva o impediu.

       - Eu não posso ficar, você sabe, eu. . .

       - Não pode desperdiçar seu tempo. – o interrompera. – Quanto é mesmo que você cobra, oitenta liras? Eu pago. – disse com naturalidade, deixando em Sebastian um ar incomodado. – Aceite minha ajuda.

       - Não é assim tão fácil. – desviou o olhar.

       - Não disse que seria, mas eu vou te ajudar assim mesmo.

       - Então isso salda a dívida? Agora estamos quites? – disse seco.

       - Nem que eu vivesse mil anos conseguiria pagar a dívida que eu tenho com você. – disse emocionando-se e deixando-o confuso.

       - Como assim?

       Eva o olhava de um modo estranho, com um brilho diferente no olhar. Respirou fundo e começou a contar uma história como se a estivesse contando pela primeira vez.

       - Meu nome é Eva Stefanelli, tenho trinta e cinco anos e minha vida não foi um mar de rosas. Quando eu tinha quinze anos, minha mãe morreu e foi aí que eu comecei a me perder. Fiquei revoltada, deprimida e nada do que eu fazia parecia amenizar a tristeza Foi ai que meu pai morreu, quando eu tinha dezoito anos. Nesse momento eu pirei. Caí de cabeça em coisas que só mascaravam a dor. Garotos, festas, bebidas, drogas, e quando dei por mim estava afundada nisso. Depois de um tempo dessa combinação, eu não me lembrava nem de quem eu era. Bem, quando eu tinha uns vinte e poucos, numa dessas festas eu exagerei e apaguei ali mesmo. Não me lembro de muita coisa, só de um peso em cima de mim, e quando acordei estava nua e machucada, o que torna o que aconteceu fácil de deduzir. – ela parou e respirou fundo. - Se eu já não estava bem, isso acabou com o resto de controle emocional que eu tinha e foi o inicio de um comportamento suicida. Foi então que eu te conheci, naquela praia. Eu estava desesperada, pronta para por fim na minha própria vida e pedi a Deus que me mandasse um sinal. E ele me mandou você, meu anjo de olhos verdes. Você me salvou aquele dia, mas não só a mim. Eu estava gravida.

       - Gravida? – disse ele perplexo

       - Sim, descobri um dia depois do nosso encontro. – disse em tom triste. – Esse foi o meu motivo para continuar vivendo, meu filho.

       - Onde ele está? – perguntou interessado, porém, notou que Eva abaixara a cabeça e pôde ver os olhos dela marejando.

       - Por causa das drogas acumuladas no meu organismo, o bebê nasceu com problemas. – disse devagar. – Não viveu muito, dez meses apenas, mas eu nunca o abandonei. Vivi por ele todos os dias desde o momento em que ele abriu os olhos até o momento em que ele os fechou. – disse deixando Sebastian consternado. – Isso foi algo pelo qual eu tive que passar para entender que cada momento pode ser o último e que a vida é muito valiosa para ser desperdiçada com aquelas porcarias. Se você não tivesse me tirado da agua, eu não teria conhecido o meu pequeno milagre, meu filho. E por cada minuto que eu pude passar ao lado dele eu vou ser eternamente grata á você.

       Sebastian estava em choque com aquelas palavras, não sabia o que dizer. Não podia imaginar que Eva tinha passado por isso tudo, era uma historia muito triste que o deixara com o coração apertado. Sempre seguira o conselho de Don Giovanni de mostrar ser forte sempre, mas aquilo o havia afetado de tal maneira que ele também baixara a cabeça para esconder os olhos marejados.

       - Acho que não mereço sua gratidão. – Sebastian disse forçadamente. – Perdi minha fé há muito tempo. Ao contrário de você, o meu motivo para continuar vivendo não era nada nobre e veja só no que me tornei.

       - Eu sei que você deve ter passado por muita coisa nessa vida e que isso o faz agir assim, eu entendo, – dizia amável - mas isso não quer dizer que esteja tudo perdido. Você pode encontrar a paz, como eu.

       - Não sei se é possível.

       - Claro que é. – Eva sorriu e seu sorriso era cheio de compreensão. - Nossa conversa ainda não acabou. Você precisa comer um pouco primeiro, depois voltaremos a falar.

        Eva levantou-se e devagar caminhava até a porta do quarto. Porém, no meio do caminho voltou-se para Sebastian outra vez.

       - Não quer saber qual era o nome dele, do meu filho.

       - Qual o nome dele?

       - Sebastian. O nome dele era Sebastian.

 

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

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"Sebastian" capitulo VII , por Natalia de Oliveira

Parte I
Capitulo VII
"Leiloado"
       O fato que será narrado aqui neste capitulo aconteceu alguns dias depois do encontro com Eva, em um dia nada especial, simples como qualquer outro, mas que acabou marcando Sebastian para sempre em sua alma. É o tipo de coisa que ele tentaria apagar de sua mente sem sucesso. Seria fácil continuar essa história sem narrar esse acontecimento apenas dizendo que aconteceu, não como aconteceu, mas não seria justo. Nada é justo. E será contado como ficou impresso na mente dele.

        Estavam os três amigos numa tarde de sábado em uma padaria em que costumavam ficar às vezes. O dono era bondoso e às vezes lhes dava pães e rosquinhas doces e quentinhas. Era um bom lugar pra ficar de bobeira, diferente daquele beco feio e escuro que Francesco e os outros ficavam á espera das ordens de Don Giovanni escondidos do mundo como ratos. Aquele havia sido um bom dia, trabalharam bastante no porto e haviam recebido o bastante para pagar á Francesco e não levarem uma surra e ainda puderam se dar ao luxo de comprar um bolo de chocolate que namoravam á semanas. Estavam sentados numa das mesas do lado de fora dessa padaria, com o sol poente sobre eles, deliciando-se com o bolo tão esperado. Sebastian lembrar-se-ia sempre do gosto daquele bolo, de como era doce, más nem tanto, leve e saboroso. Lembraria porque provava com uma alegria quase infantil aquele simples bolo, quando viu parar bem na frente da mesa em que estavam o carro preto de Don Giovanni.

        Naquele momento o gosto do bolo de chocolate desapareceu e o que engoliu mais parecia um bocado de papel, sem gosto e desforme. Luigi e Pietro perceberam o carro de pronto e se entreolharam intrigados, “Como ele sabia onde acha-los?”. De repente de dentro do carro saiu Vicenzo. Usava uma roupa boa, assustadoramente melhor do que as que ele costumava usar, e digamos que ele se vestia muito bem. Don Giovanni fazia questão que seus “empregados” mais próximos se vestissem de acordo com sua posição, afinal, era um homem de negócios e tinha que ser apresentável. Mas como foi dito, Vicenzo estava especialmente bem vestido naquele fim de tarde.

       - Os três, para dentro do carro. - disse com visível impaciência. – Agora.

       - Onde é a festa? – Sebastian provocou.

       - Olha, garoto, eu não tenho o dia todo, entre logo nesse maldito carro antes que eu os coloque, e vocês não vão querer isso. – disse irritado.

        Por experiência própria, sabiam que se Vicenzo vinha chama-los algo ia acontecer, e nem sempre terminava bem para eles. Mas fazer oque? Eram apenas escravinhos, obedecer cegamente era parte do pacote. Deixando o tão desejado bolo de chocolate para trás, seguiram em fila indiana até o carro. Os gêmeos entraram primeiro, e antes de Sebastian entrar, Vicenzo o segurou pelo braço e o puxou para o lado.

       - Você se acha muito engraçado, não é? Quero ver se vai continuar assim depois de hoje. – disse com um sorriso irônico.

       - Como assim? Oque vai acontecer hoje? – perguntou intrigado.

       - Vai ver. Agora entra no carro. – o empurrou em direção á porta.

        Sebastian olhou para Vicenzo por um instante antes de entrar no carro. De repente sentiu um desconforto tremendo, um reboliço no estomago, algo estava errado, muito errado.

        Não demoraram muito para chegar e quando perceberam, haviam sido levados á casa de Don Giovanni, descobrindo então a razão das roupas de Vicenzo. Havia uma festa rolando. A rua e a entrada de carros da casa estavam tomadas por carros de varias marcas diferentes, cada um mais moderno e caro que o outro. Pessoas bem vestidas, casais, velhos, jovens, varias pessoas desfilavam na entrada em trajes de gala.

        O motorista deu a volta para entrar pela entrada de serviço, para não atrapalhar a entrada dos convidados, e uma vez nos fundos da casa o carro parou e todos saíram.

       - Sigam-me. – disse Vicenzo caminhando pela entrada de serviço, seguido dos garotos.

        Calados eles o seguiram intrigados, passando pela cozinha que estava a todo vapor, com os mais deliciosos aromas. Seguiram pelo corredor até um quarto que tinha a porta trancada. Vicenzo deu umas batidinhas e a porta foi aberta pelo lado de dentro por uma garota. Ela devia ter mais ou menos vinte anos, era loira com os cabelos um tanto oleosos e precisando de um pente. Usava uma bata colorida e uma saia de algodão que vinha até os pés, tão colorida quanto a bata, bem no estilo hiponga.

       - Mais três. – Vicenzo disse á garota que olhou para eles meio dispersa. – Cuide deles.

       Ela deu espaço e Vicenzo meio que empurrou os garotos para dentro antes de sair dali apressado em direção á festa deixando os três com a hiponga.

       - Muito bem meus amores! – disse parando para olhar bem para eles. - Mas que roupas são essas?- disse ela com a voz mole, parecia chapada. – Tirem isso, tenho algo melhor para vocês, meus anjinhos.

        Ela foi até um canto cheio de sacolas, de uma loja famosa de Nápoles e voltou trazendo roupas bonitas. Para os três.

       - Aqui, acho que vão servir. – deu um conjunto para cada um.

        Os garotos se entreolharam. A sala tinha apenas dois sofás, uma mesinha de centro e um tipo de cômoda, nenhuma salinha ou biombo, nenhum lugar onde pudessem se trocar.

       - Não se incomodem comigo. – ela sorriu gesticulando com a mão, estava realmente chapada.

        Os gêmeos olharam-se e não tendo para onde correr mesmo, começaram a se despir. Sebastian continuava parado com o conjunto na mão, pensando para que servia tudo isso? Algo não estava certo, não estava. Percebendo a relutância de Sebastian a garota aproximou-se dele.

       - Oque foi? Está com vergonha, meu anjinho?

        Com delicadeza, a hiponga tocou seu pescoço e desceu a mão através de seu torço. Sebastian tentou afasta-la, mas ela foi rápida e assim que encontrou a barra da camisa surrada de Sebastian, a tirou e a jogou de lado. Instintivamente ele se cobriu com os braços, isso era embaraçoso.

       - Aposto que nenhuma garota havia tirado sua camisa antes, não é? – disse ela com um sorriso compreensivo. Ela fez um movimento em direção á calça dele, mas ele recuou.

       - Eu posso fazer isso. – respondeu sério. – Obrigado.

       - Tudo bem. – ela se afastou em direção á cômoda.

       Como isso era embaraçoso! Olhou para o lado, Luigi e Pietro já estavam vestidos, cada um com um conjunto de calça de brim preta e camisa social branquíssima que ficou realmente muito bem neles. Terminou de se vestir e os três sentaram-se no sofá, esperando. A hiponga voltou minutos depois com uma bandeja com três copos médios cheios de um liquido dourado.

       - Aqui, bebam. – ela ofereceu aos garotos que se entreolharam

       Luigi e Sebastian pareciam nem um pouco á vontade com essa situação, ainda mais quando uma bebida era oferecida assim. Mas que droga, eram crianças numa festa pra lá de suspeita e isso estava ficando esquisito demais. Para de certa forma acalma-los, Pietro foi o primeiro a aceitar a bebida. Pegou-a e a tomou de um só gole, fazendo uma careta antes de colocar o copo na mesinha de centro.

       - É whisky, não tem problema. – disse ele limpando o canto da boca com a manga da camisa nova.

       - Mas eu não vou tomar isso! – Luigi disse apavorado.

       - Luigi. . .  - Pietro olhou desesperado para Sebastian, pois sabia o que estava prestes a acontecer.

       Os gêmeos já haviam passado por isso antes e claro que o mais afetado foi Luigi. Não que encher a cara fosse a resposta, mas de certa forma entorpecia, e achava que era essa a ideia da hiponga, tornar mais fácil o que estava por vir. É claro que Sebastian percebeu oque Pietro queria.

       - Vamos. - Sebastian pegou um copo para si e o outro copo ofereceu diretamente á Luigi. – Estamos numa festa, por que não curtir um pouco? – Os olhos de Luigi estavam marejados. – Estamos juntos nessa.

       Dizendo isso, Sebastian virou o seu copo e também o tomou de um só gole. O gosto do whisky era horrível e lhe desceu queimando, mas Sebastian obteve o que queria. Luigi pegou seu copo e depois de olhar para Sebastian por um tempo doloroso, virou-o e ao fazê-lo, Sebastian notou o olhar agradecido de Pietro.

       Alguns minutos se passaram e de repente Vicenzo voltou, abrindo a porta e deixando-a escancarada. Ele dirigiu-se á Luigi e o pegou pelo braço puxando-o com força quase o fazendo cair. Ele esperneou e tentou se soltar.

       - Fica quieto ou eu quebro o seu braço! – Vicenzo bradou.

       Luigi olhou mais uma vez para Sebastian, parou de se debater e se deixou conduzir para fora do quarto, o que apertou o coração de Sebastian de tal maneira que ele não segurou as lagrimas. Pietro então o abraçou, e ficaram assim por um tempo, até que Vicenzo veio e se aproximou de Pietro.

       - Vamos ficar bem. – Pietro disse sussurrando no ouvido de Sebastian com um olhar estranho antes de Vicenzo o puxar do sofá e leva-lo para fora do quarto, deixando Sebastian sozinho.

       Ali sozinho naquele quarto, Sebastian sentia seu estomago revirar. Talvez fosse pela bebida que tomara, talvez fosse pelo terrível medo que sentia do que estava por vir, se soubesse o que estava por vir. Não sabia, e essa era a pior parte. Mas sabia de uma coisa, seja lá o que fosse já havia começado, desde o momento em que Vicenzo os pegara na padaria, e não tinha como parar.

       Colocou suas mãos entre os joelhos, para que a hiponga não visse que ele estava tremendo, olhava fixamente para a porta, esperando o momento em que Vicenzo entraria e o levaria sei lá para onde, sentindo um gosto metálico na boca. Era uma sensação horrível.

       Alguns minutos depois ouviu vozes no corredor se aproximando e seu coração bateu forte no peito. A porta se abriu e Vicenzo entrou com aquela expressão chapada de sempre, fumando seu cigarro nojento. Antes mesmo que ele dissesse qualquer coisa Sebastian levantou-se, e sem olhar no rosto de Vicenzo se aproximou dele, impetuoso com só ele sabia ser.

       - Vamos logo com isso, eu não tenho a noite toda. – Sebastian disse surpreendendo Vicenzo.

       - Pelo contrario, - ele sorriu. – a noite está só começando.

       Sebastian respirou fundo. Vicenzo deu passagem e Sebastian andou pelo corredor sem que Vicenzo o empurrasse. Para o garoto cada passo era terrível, mas sabia que tinha que continuar indo. Quando saíram do corredor entraram na grande sala, que havia se tornado um belo salão de festa, cheio de gente. Sebastian de repente sentiu-se muito mal, pois todos os presentes pararam para olhar para ele.

       Vicenzo o conduzia através da multidão vestida em trajes de gala. Sebastian não sabia, mas era carnaval e os convidados usavam mascaras venezianas de todos os tipos, tamanhos e cores. Algumas bonitas, extravagantes, mas tinham algumas (e essas lhe causavam uma impressão muito ruim) que eram sinistras de uma forma convidativa como palhaços, duendes e fadas. Mas havia uma em especial que causou a pior sensação, o Leão. Era uma mascara grande com muitos detalhes que a deixavam bem realista, principalmente os dentes. Ele estava em um canto na festa, afastado do resto, mas não tirava os olhos de Sebastian.

       Vicenzo o conduzia pelo salão até uma espécie de palanque, no qual Don Giovanni estava também vestido em roupa de gala, surpreendentemente com uma mascara simples. Ele queria ser diferenciado dos outros pois sua mascara cobria apenas a região dos olhos, diferente das que cobriam o rosto todo, como o leão. Havia dois degraus para subir no palanque e Sebastian os subiu tropeçando, ouvindo o riso dos convidados e nesse momento quase vomitou. Don Giovanni estendeu a mão á Sebastian num gesto convidativo. Ele queria fugir dali, mas sabia que não haveria como. Então estendeu a mão para Don Giovanni que a tomou e fez com que ele ficasse de frente para a sinistra multidão.

       - Este aqui, Senhores, é o meu americano. Vejam os olhos dele.

       Varias pessoas se aproximaram e sussurravam surpresas com a cor profunda dos olhos dele. Sebastian de repente sentiu-se como um artigo sendo exposto. Então, para o horror de Sebastian, Don Giovanni o virou para ele e começou a desabotoar sua camisa.

       - Não! – ele protestou.

       - É melhor você cooperar aqui, garoto. – Don Giovanni retorquiu, causando verdadeiro pânico no garoto.

       Sem reação, Sebastian deixou-se ser despido na frente daquele monte de gente que o olhavam como abutres. Don Giovanni outra vez fez com que ele ficasse de frente para a multidão, dessa vez ele tremia da cabeça aos pés. Isso não podia estar acontecendo.

       - Vejam como a pele dele é macia. – Don Giovanni acariciou o pescoço de Sebastian. – Como é jovem e firme. – ele sorriu de forma sinistra, disse como se o estivesse vendendo.

       Vários convidados nesse momento pareceram se interessar mais ainda e se aproximaram mais do palanque.

       - Levando em conta que ele é o mais novo dos meus meninos e que também é a primeira festa dele, acho que posso arriscar dizer que ele é virgem. Você é? – disse voltando sua atenção para o garoto.

       - Oque?! – disse ele confuso.

       - É claro que é! Então o que acham de começarmos os lances com duzentos? – disse Don Giovanni e Sebastian quase desfaleceu. Estava sendo vendido de novo.

       - Trezentos! – disse uma senhora com sotaque francês usando uma mascara branca cheia de penas, lembrava muito uma garça.

       - Quatrocentos! – um arlequim gritou e as lagrimas vieram aos olhos de Sebastian.

       - Vamos, acho que ele merece mais do que isso! – Don Giovanni incitava

       - Quinhentos! – a francesa de branco disse animada.

       - Oitocentos! – o Leão disse lá do fundo do salão fazendo todos os convidados olharem para trás.

       Sebastian ouviu o Leão dar seu lance desejando que não fosse verdade. De todos naquela sala, o Leão não. A senhora francesa pareceu contrariada com o lance alto do Leão.

       - Novecentos! – retorquiu ela um tanto ansiosa.

       - Mil e duzentos! – o Leão rebateu. – Quer mesmo continuar, senhora? Eu posso cobrir qualquer lance que faça.

       - Mil e quinhentos! – disse ela desafiadora.

       Sebastian queria que um buraco no chão se abrisse no qual ele pudesse se jogar e desaparecer para sempre, pois o Leão deu uma risadinha, e disse em alto e bom som:

       - Mil e setecentos!

       A senhora ficou em silencio por um tempo, depois fez um sinal de negativo para Don Giovanni, dizendo que não daria mais lances.

       - Alguém está disposto á cobrir o lance de mil e setecentos? Não? Então. . . – Don Giovanni sorriu, jogou a camisa de Sebastian de volta para ele e fez sinal para que Vicenzo o levasse até o seu dono.

       Enquanto era conduzido através do salão, Sebastian não podia acreditar no que estava acontecendo. Havia acabado de ser leiloado. Sentia que suas pernas não o manteriam por muito mais tempo e se não fosse o fato de Vicenzo o estar empurrando pelo caminho, não teria conseguido chegar ao Leão por conta própria. Ele estava sentado numa mesa sozinho, Vicenzo puxou uma cadeira e fez Sebastian sentar-se como se ele fosse um saco de batatas, antes de voltar para onde seu chefe estava, agora na multidão entretendo os convidados. Aparentemente fora o ultimo leiloado da noite, pois os criados já estavam desmontando o palanque improvisado. Seu estomago dava voltas e até agora não tivera coragem de pousar os olhos diretamente na mascara de leão. Simplesmente colocou de novo a camisa, pois não queria que ele ficasse olhando para o seu corpo desnudo.

       - Don Giovanni sempre guarda o melhor para o final. – disse o Leão com um tom de voz estranho. – Qual é o seu nome? - Sebastian ficou em silencio. – Eu sei que tudo isso deve ser estranho para você, mas já que paguei uma boa quantia pela sua companhia, acho que você deveria mostrar o mínimo de educação.

       - Sebastian. – disse baixo, ainda sem olhar para seu dono.

       - O meu é. . .

       - Eu não quero saber. – disse ele seco. – Não preciso saber, preciso?

       O Leão ficou em silencio, aparentemente surpreso com a demonstração de arrogância daquele belo garoto, mas então soltou uma gargalhada.

       - Isso vai ser mais interessante do que eu estava supondo.

       Ele fez sinal para um dos garçons da festa se aproximasse e quanto este o fez, ele pediu dois whiskies. Assim que o garçom se foi, o Leão tirou a mascara revelando sua verdadeira face. Era um rapaz, não era velho, devia ter uns vinte e oito anos, loiro, os olhos eram de um azul profundo, tinha lábios grossos, lembrava essas pinturas renascentistas que Sebastian já estava se acostumando á ver nas paredes dessa casa. Muito bonito, e por um momento ocorreu a Sebastian que talvez essa sim fosse a verdadeira mascara.

       - Você entende o que está acontecendo aqui? - disse ele de repente assim que o garçom voltou com as bebidas. – Quero dizer, você parece meio novo nisso.

       Sebastian olhou para ele serio, lembrou-se da primeira lição de Don Giovanni, demonstrar ser forte. Pegou a sua bebida e virou-a como antes, bebendo-a de um só gole e batendo com o copo na mesa.

       - Faço uma ideia. – disse serio, deixando o Leão com uma expressão surpresa.

       - Bem, eu não o comprei, se é o que pensa. Eu te aluguei por esta noite, se é que me entende. – disse ele com um tom estranho.

       - Entendo, - disse pegando a bebida do Leão de sua mão e bebendo-a também. – Você é um pervertido que gosta de crianças. – Nem é preciso dizer que Sebastian já estava ficando chapado, mas incrivelmente essa observação não irritou o Leão, que sorriu.

       - Mais menos isso. Devo confessar uma coisa, as festas de Don Giovanni são famosas pelo leilão de garotos e garotas, mas nunca, até hoje, houve um artigo como posso dizer, tão interessante.

       - Isso deveria ser reconfortante? – disse ele com voz mole.

       O Leão sorriu exibindo seus dentes brancos, incrivelmente parecidos com presas mesmo e isso fez o estomago de Sebastian dar voltas. Eles estavam sentados de frente um para o outro numa mesa para quatro, ou seja, havia uma lacuna de uma cadeira entre os dois, como o Leão queria ficar mais perto ele levantou-se de sua cadeira e sentou-se naquela mais perto de Sebastian. Olharam-se nos olhos por um momento e Sebastian virou o rosto quando ele se aproximou na intenção de beija-lo nos lábios, mas isso não o desmotivou e ele beijou seu pescoço. Sebastian gemeu.

       - É verdade? – o Leão perguntou com os lábios colados ao pescoço do garoto.

       - O que? – disse olhando para o salão, querendo desesperadamente sair dali.

       - Que você é virgem.  – ele sussurrou - É verdade?

       Sebastian não respondeu, mas o Leão soube pelo soluço de Sebastian que era verdade.

       O leão deu uma risadinha e sem dizer mais nada, levantou-se e puxou Sebastian pelo braço conduzindo-o através da multidão até a escada que dava para o segundo andar. Subindo a escada ele conduzia Sebastian pela mão, passando por várias pessoas ao redor. Aquilo parecia um pesadelo. As pessoas mascaradas rindo e bebendo, a musica estranha, todo aquele ambiente. Ele estava meio entorpecido, mas ele percebia as coisas que aconteciam. Parecia uma festa no inferno, e os mascarados eram demônios lascivos. No segundo andar, o andar dos quartos, via as pessoas se atracando no corredor mesmo. Alguns quartos tinham as portas abertas e eram palco das mais variadas e estranhas orgias: mulheres, homens e as crianças de Don Giovanni. Não se sabia onde começava um e terminava outro. Sebastian estava horrorizado.

       Perto da porta de um quarto, o Leão praticamente o jogou contra a parede e com um sorriso sádico, aproximou-se dele e começou a beija-lo de forma agressiva, nos lábios, no pescoço, e suas mãos exploravam o seu corpo de criança. Sebastian tentava impedir que ele o tocasse se debatendo, mas ele era mais forte, e o dominava, prendendo seus braços contra a parede.

       - Não. . . – Sebastian implorava. – Para. . .

       - Assim que eu te vi, eu sabia que tinha que ser meu. – ele sussurrou ao ouvido de Sebastian.

       - Por favor. . . – chorava.

       - Sabe, quanto mais você luta, mais me ascende.

       - Para. . .

       - Ah, não dê uma de santinho agora, – ele tocou na intimidade do garoto que reprimiu um grito. – você não está exatamente indiferente. – dizendo isso, ele o pressionava com força.

       Depois de um tempo, Sebastian parou de lutar. Tudo o que queria era desaparecer. Chorava copiosamente enquanto o Leão fazia o que queria com ele. Ficaram ali no corredor por uns quinze minutos até que o Leão parou e afastou-se um pouquinho. Do bolso tirou uma chave pequena e abriu a porta do quarto ao lado. Ele arrastou Sebastian até lá dentro e do jeito que estava, Sebastian caiu no chão do quarto e lá ficou. Estava tonto, dolorido e sem forças, tanto que não teve forças para afastar o Leão quando ele avançou sobre Sebastian ali no chão frio. Ele arrancou a camisa de Sebastian quase a rasgando.

       - Não. . .  – ele implorou.

       - Vai começar de novo?

       - Por favor. . .

       Ele o virou de bruços e com violência abaixou a calça do garoto até os joelhos. Sebastian tentava em vão se soltar, mas o Leão estava em cima dele, prendendo-o ao chão. Ele era maior e mais forte, e sem dificuldade ele juntou as mãos de Sebastian nas costas imobilizando-o, de forma que conseguia prender as mãos de Sebastian com uma única mão enquanto a outra ficava livre. Com essa mão que estava livre, o Leão brincava com a intimidade de Sebastian e aonde mais ele queria, da forma que ele queria.

       - Eu te odeio! Eu te odeio! – o garoto bradou por entre lagrimas.

       O Leão riu e aproximou os lábios do ouvido de Sebastian.

       - É claro que sim. – sussurrou. – Sabe, eu gosto de garotos como você, gosto de ser o primeiro. Gosto da ideia de que sempre vão se lembrar de mim.

       - Não! Não! – disse desesperado, mas nem todo o desespero do mundo que o garoto demonstrasse demoveria o Leão do que ele estava fazendo.

       - Pare de ser tão dramático, você vai gostar.

       Sebastian sentiu quando ele se posicionou em cima dele e realmente, viu que tudo o que estava acontecendo era real. A dor que Sebastian sentiu no segundo seguinte quando era invadido foi tamanha que ele parou de respirar por um momento. A dor era incrível e não tinha fim. Tudo o que ele conseguia fazer era chorar e o grito que ele sufocou quando o Leão começou a se mexer quase explodiu seu coração.

       Como já foi dito, ele era uma criança e era virgem, e da forma mais errada e dolorosa deixou de ser. Naquela noite ele conheceu o monstro que há nos homens e toda a dor que ele pode causar. Era inútil se debater, o Leão era mais forte e o dominava. Depois de um tempo parou de resistir e de xingar, só chorava e soluçava. Tudo o que queria era morrer.

       Depois que o Leão terminou com ele, ele ainda continuou jogado no chão, sentindo-se a cosa mais suja do mundo. Não tinha forças para se levantar e ali ficou, chorando e tremendo. Com um sorriso diabólico, o Leão foi até a porta e a abriu.

       - Vou pegar uma bebida para gente. Não saia daí.

       Dizendo isso, ele saiu do quarto e Sebastian ficou sozinho. Ele não viu o Leão voltar, desmaiou antes disso, mas muita coisa mais aconteceu naquela noite que ele não viu por estar misericordiosamente inconsciente. Mais tarde, Sebastian descobriria que esse tipo de festa acontecia regularmente, só com os garotos mais bonitos de Dom Giovanni, ou seja, nunca escapava de ser escalado para ser leiloado. Nunca soube o nome do Leão, também não faria diferença. Nunca mais o viu nas festas, isso também não significava que se sentia aliviado. Depois que a porta daquele quarto se fechou, uma parte dele morreu naquele chão.