domingo, 21 de outubro de 2012

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"Sebastian", capitulo VI , por Natalia de Oliveira

Parte I
Capitulo VI
"Eva"
 

       O porto de Nápoles era grande. Navios ancoravam e zarpavam todos os dias deixando-o cheio de contêineres e mercadorias de várias partes do mundo, ou seja, trabalho era o que não faltava á Sebastian. Juntamente com Pietro e Luigi, trabalhava duro, mas com a consciência limpa, com um trabalho duro, mas honesto.

       Era um dia do sol ameno e Sebastian descarregava um contêiner colocando seu conteúdo num caminhão estacionado ao lado, tudo isso sozinho. A mercadoria não era tão pesada, além do mais, os irmãos Tomazi (era assim que Pietro e Luigi eram chamados, pois andavam sempre juntos) estavam do outro lado do porto descarregando outro contêiner.

       Sebastian já havia descarregado a última caixa quando olhara para o lado e vira o mar, inconscientemente aproximando-se do muro de proteção. Colocara a caixa no chão ao seu lado e olhava para as aguas mais adiante na praia, onde ondas brancas vinham quebrando e via também uma ou outra gaivota voando. Seria um cenário lindo em outras circunstâncias.

       Fechou os olhos ouvindo o barulho das ondas lá embaixo batendo contra as rochas, sentindo a leve brisa em seu rosto, e isso tudo o remeteu há tempos atrás quando nadava no rio de sua cidade, na época em que sua maior preocupação era chegar a casa a tempo do jantar e talvez levar uma bronca do seu pai. “Ah, se ao menos eu pudesse dar um mergulho. . .” , pensou. Pareciam séculos desde a última vez, naquele dia em que. . .

       Havia dias em que a tristeza batia mais forte, outros dias nem tanto, mas ela estava sempre ali como uma tatuagem, para atormentá-lo, para lembrá-lo sempre de seu juramento. Uma ferida aberta que nunca cicatrizaria.

       Abriu os olhos e contemplou o por do sol mais bonito que já presenciara.  O céu em tons de laranja mesclado com azul e roxo e as gaivotas voando, dando adeus ao dia que terminava. Ele jamais se esqueceria desse momento, por outro motivo também.

       Saindo de seu devaneio Sebastian voltara a pegar a caixa de papelão que deixara no chão e carregara para dentro do caminhão, colocando-a junto das outras. Seu expediente havia acabado. Iria procurar Luigi e Pietro pelo porto para receberem o pagamento pelo dia de trabalho, depois voltariam ao beco, para pagar sua parte á Francesco, mas nesse meio tempo algo aconteceu.

       Ao sair do caminhão Sebastian dá uma última olhada na praia. Estava quase vazia, mas algo lhe chamou a atenção. Uma moça. Era morena, os cabelos muito compridos e lisos. Usava uma calça jeans e uma bata branca. Não podia ver seu rosto pois ela estava de frente para o mar, parada em pé, com água nos tornozelos. Não tinha certeza, mas ela parecia chorar pois não parava de esfregar as mãos no rosto e em certos momentos ela se curvava para frente em espasmos. Então Sebastian sentiu algo estranho, uma espécie de sensação ruim, como sentia sempre que algo errado estava para acontecer. Mas por quê? Ela poderia ser apenas uma garota triste, como muitas que vinham contar sua dor para o mar, e depois do desabafo, iam embora limpas de suas tristezas. Porém lá no fundo sentia que não era só isso, havia algo mais. E realmente havia. Para sua surpresa, a garota começou a andar para dentro da agua do jeito que estava, com roupa e tudo e num movimento muito rápido, ela mergulhou.

       - Ei, moça! – Sebastian gritou desesperado do deque.

       Saiu correndo pelo porto como louco. Aquela moça queria se matar, tinha que fazer alguma coisa. Atravessou a praia e jogou-se no mar também numa atitude desesperada. Sorte dele que sabia nadar muito bem.

       Com braçadas rápidas, nadou boa parte da praia sem ver qualquer sinal da moça morena. Parou e ficou flutuando, procurando-a com os olhos no nível das ondas até que a viu, debatendo-se a uns dez metros dele. O mais rapidamente que pôde nadou até ela, abraçou-a e nadou de volta á margem, com mais dificuldade, pois ela estava inconsciente agora.

       Assim que chegou num ponto raso, no qual podia ficar de pé, pegou-a nos braços carregando ela até a areia, demonstrando a força que havia adquirido nesse tempo de trabalho no porto. Deitou-a na areia e a observou: Era jovem, no máximo devia ter uns vinte anos, tinha no rosto traços delicados, porém havia também certa dureza, como se sentisse uma grande tristeza.

       - Moça, moça! – Sebastian tentava reanimá-la com batidinhas leves em seu rosto. – Ah, Jesus, e agora?

       Devagar ela abriu os olhos, revelando um par de olhos de um tom que ao por do sol parecia dourados.

       - Tudo bem moça? – Sebastian perguntou em italiano ruim bem mais aliviado por ela ter finalmente acordado.

       Ela ficou em silêncio um tempo olhando para ele com um olhar espantado e então, sem mais nem menos, ela desatou a chorar, a chorar incontrolavelmente. Só então Sebastian percebeu que várias pessoas começaram á rodeá-los, observando aquela cena, e os dois ali encharcados lado á lado, deixando-o constrangido. A moça falou algo em italiano que ele não entendeu, deixando ele preocupado.

       - Moça, eu não entendo. . . – disse em sua própria língua, aflito.

       Ela parou de chorar acalmando-se lentamente e olhou bem no fundo dos olhos verdes dele.

       - Eu disse que não era justo que Deus mandasse um anjo para me impedir. – disse no idioma dele.

       - Ah, então eu estava certo, você queria se matar. O que você tem na cabeça?! – estava bravo.

       - Desespero. – respondeu com a voz baixa por entre lágrimas. – Devia ter me deixado lá.

       Ao ouvir isso Sebastian enterneceu-se e sentiu uma pontada no coração. Podia ver claramente em seus olhos que havia uma tristeza tão grande quanto o mar no qual ela queria perder-se á pouco. Sempre achara os suicidas pessoas fracas e covardes, mas olhando aquela moça, tudo o que via era alguém desesperada, sozinha e perdida como ele. Não podia ficar indiferente.

       - Qual é seu nome? – Sebastian perguntou mais brando.

       - Eva. – ela respondeu soluçando.

       - Bem, Eva, meu nome é Chan. . . – hesitou – Sebastian. – ele disse seu novo nome com o qual ainda se acostumava. - O que me diz de sairmos daqui? Já chega de mergulhos por hoje.

       Levantou-se e estendeu a mão para ajudar Eva a levantar. Um gesto simples, mas que para ela foi de um significado importantíssimo:

       Quando acordou e deparou-se com aquele garoto belo de olhos verdes tão penetrantes que acabara de salvar sua vida, Eva realmente pensou que se tratava de um anjo que fora mandado em seu socorro e agora vendo ele assim, com a mão estendida para ajudá-la a se levantar, sentiu que não se enganara. De um modo estranho sentia-se completamente enfeitiçada, como se ele emanasse um magnetismo que a atraia e tudo o que podia fazer era se deixar levar. Segurou sua mão e levantou-se, seguindo-o.

 

       Perto dali, saindo da praia, havia um galpão abandonado que durante muito tempo serviu de depósito para mercadorias roubadas dos carregamentos que chegavam ao porto, mas desde que a polícia invadiu e apreendeu boa parte das coisas os criminosos ficaram com receio de reutilizá-lo. Melhor para Sebastian, Luigi e Pietro que usavam o lugar como refugio. E foi até lá que Sebastian levou Eva pois a noite já chegava.

       A porta estava trancada, claro, e eles usavam uma janela para entrar. Não era muito alta, porém os garotos tiveram que improvisar, colocando uma caixa de madeira para ajudar como degrau do lado de fora e do lado de dentro. Eva foi primeiro, seguida de Sebastian.

       O lugar até que era grande, com pilhas e pilhas de caixas por todos os lados, mas havia um lugar no meio do galpão em que o espaço era mais aberto e eles ali ficavam, onde não havia goteira e onde as caixas os protegiam de olhares furtivos, caso um curioso fosse espiar.

       Assim que Sebastian fechou a janela pela qual entrou e desceu da caixa de madeira, foi surpreendido por um grito de espanto de Eva.

       - Tem alguém ali. – ela sussurrou.

       - É claro que tem! – Pietro disse vindo das sombras com uma vela na mão. – Quem é ela? – dirigiu-se curioso a Sebastian.

       - O nome dela é Eva. - disse ele calmo. – Esse é Pietro, meu amigo.

       - Sou tão seu amigo, que convenci o Guilhermo a pagar o seu dia de trabalho para mim, ou então você iria perder. Onde esteve? – mesmo com a fraca luz, podia ver um ar contrariado.

       - É uma longa historia. – disse disfarçando ao indicar sorrateiramente a garota ao lado.

       - Ah! Entendi. – Pietro sorria zombeteiro, lançando um olhar malicioso em direção ao amigo. – Vamos, Luigi está esperando e já aviso, está de mau humor, acho que está de TPM.

       Atravessaram um labirinto de coisas até chegarem ao espaço em que eles dormiam. Como cama, cada um havia feito uma pilha de tecido de algodão, uma mercadoria a muito esquecida naquele galpão, de forma que formavam um circulo com uma fogueira no centro que esquentava e iluminava o lugar. Luigi, que estava sentado em sua cama observava enquanto os três se aproximavam.

       - Onde esteve? – disse ríspido.

       - Já é a segunda pessoa que me pergunta isso em menos de cinco minutos, e antes que me pergunte quem é ela, o nome é Eva. – Sebastian disse na defensiva.

       - Na verdade, o que eu ia te perguntar era porque trouxe uma estranha pra cá sem nos consultar primeiro? – disse com visível aspereza. – Aqui não é ponto turístico.

       - Foi preciso. – Sebastian argumentou.

       - Foi uma atitude imprudente e sabe disso. – Luigi alfinetou.

       - Que seja, eu não ia deixá-la sozinha do modo como estava. – alterou-se.

       Então rapidamente contou tudo o que havia acontecido desde que parara para ver o por do sol.

       - Desculpe-me Eva, - disse Luigi sem jeito. – mas não podemos confiar em todo mundo nesses dias. Ainda mais quando nosso amigo aqui ainda não entendeu o conceito de esconderijo. – estendeu a mão para cumprimentá-la. – Não se preocupe, terá um lugar seguro para ficar essa noite, não temos muito, mas o que temos dividimos.

       - Muito obrigada. – apertou a mão de Luigi com um sorriso forçado.

       - Não liga para ele, é paranoico. – Pietro sussurrou no ouvido dela, dessa vez arrancando um sorriso sincero de Eva.

       Sentaram-se em volta do fogo. Eva fez questão de sentar-se ao lado de Sebastian, não sabia por que, mas em meio aquela confusão em que sua cabeça estava sentia-se bem ao lado dele, protegida.

       Os rapazes conversaram durante um bom tempo, no qual Eva ficara em silêncio absorta em pensamentos, da mesma forma em que Sebastian a observava e tudo o que podia imaginar era o motivo de tamanho desatino. Não conseguia entender porque alguém tiraria a própria vida.

       Depois de um tempo, quando perceberam que já estava ficando tarde, os garotos arrumaram para ela uma cama como a deles e se recolheram.

       - Boa noite para os que ficam, - disse Luigi. – estou cansado demais e temos que levantar cedo amanhã. – disse afastando-se e indo em direção a sua cama, seguido de Pietro, deixando os dois sozinhos.

       Um silêncio sepulcral pairou entre os dois que observavam a fogueira crepitando.

       - Você não está muito a fim de conversar, não é? – Sebastian disse quebrando o silêncio.

       - Eu não estou num dia muito bom. – ironizou.

       - Notei. – disse no mesmo tom. – Quer conversar sobre isso? – Sebastian disse de um jeito que a fez rir.

       - Tenho tantos problemas que nem sei por onde começar. – olhou bem nos olhos dele. – Deve estar pensando que eu sou louca ou algo assim, não é?

       - Na verdade, eu estava pensando no que teria acontecido de tão ruim para achar que dar um “mergulho” fosse a resposta. – disse direto fazendo Eva desviar o olhar.

       - É uma historia triste demais, e a muito tempo deixei de acreditar em finais felizes.  – disse ficando com uma expressão muito triste. Sebastian sabia que ela devia estar sofrendo muito.

       - Todos nós aqui temos historias tristes, - disse serio. – mas nos fazemos nosso final. Não desista por causa de um tombo apenas, mesmo que seja difícil sempre há um motivo para continuar vivendo. Mesmo que o motivo não seja dos mais nobres. – pensava em Robert Murphy e sua promessa de matá-lo um dia.

       - Fala por experiência própria? – perguntou intrigada. – Assim tão jovem?

       Sebastian riu forçadamente.

       - Eu disse que todos nós temos historias tristes.

       - Qual é a sua? – interessou-se.

       - Vamos fazer assim, como nenhum de nós esta a fim de dar a sua biografia, algum dia desses nos sentaremos e conversaremos longamente sobre isso. Tudo bem?

       - Tudo bem. – ele respondeu.

       Os dois estavam sentados lado a lado e num gesto de cansaço, Eva encostara a cabeça no ombro de Sebastian que enternecido colocara seu braço em volta dela. Olhando assim ela parecia tão indefesa, perdida, sozinha, alguém como ele, que precisava de um pouco de carinho. Queria poder confortá-la, queria poder fazer as coisas que a assustavam irem embora, mas como, se tinha ainda dificuldade de lutar contra os próprios demônios.

       - Tudo vai dar certo, querida. – disse Sebastian.

       Eva o abraçou mais forte nesse momento.

       - Eu nunca me senti tão protegida como estou me sentindo agora. Será que eu estava certa quando te chamei de anjo?

       - Não sou anjo.

       Abraçados, eles se olharam por um momento.

       - Então, não será pecado se eu fizer isso.

       Com delicadeza, Eva passou os dedos pelos cabelos negros de Sebastian, descendo até a nuca, então puxou ele para si beijando-o profundamente. Foi algo tão inesperado, que ele ficara sem reação por um momento, confuso, apenas deixando-se ser beijado por Eva. Ele era totalmente inexperiente, fora o beijo na beira do rio. Não sabia como reagir, nem onde tocar, nada. Ela se afastou um pouco e olhou nos olhos dele, sorrindo ao notar que ele estava totalmente perdido. De novo ela aproximou-se e beijou seus lábios, propositalmente entreabertos, incitando-o a fazer o mesmo e quando ele o fez, ela delicadamente introduziu sua língua na boca dele fazendo-o gemer baixinho, ao mesmo tempo em que explorava suas costas. Sebastian sentia um calor subir por sua espinha e uma sensação em seu interior que nunca havia sentido antes, e quando estava começando a corresponder o beijo, Eva de repente se afastou.

       - É melhor parar antes que eu estrague tudo. – disse sem jeito. Sebastian apenas assentiu com a cabeça em silêncio. – Boa noite.

       Eva disse antes de se afastar e ir em direção a sua cama recém-construída e deitou-se deixando Sebastian sozinho. Ficou um bom tempo pensando nisso. Entendia Eva, ela estava muito carente, só isso. E um beijo não tinha nada de mais, embora ela tivesse deixado ele de um jeito que nunca imaginara estar. Foi realmente melhor terem parado antes que. . .  bem, foi melhor assim. Tudo certo. Então porque ainda estava tremendo?

       Foi para a sua cama e tentou dormir para tirar isso da cabeça e quando acordou de manhã, Eva não estava mais lá. Pietro disse á ele que ela havia ido embora assim que o sol nasceu.

       - Eu não entendi muito bem o que ela disse, mas deixou um recado para você, ela disse que ia fazer seu “final feliz”. – disse com um olhar confuso.

       Sebastian sorriu, pois sabia que Eva ficaria bem onde quer que esteja, e que talvez algum dia se encontrariam de novo.

 

Um comentário:

  1. Oi Natália! Gostaria de te dar os parabéns pelo blog, você escreve bem e é muito legal compartilhar seu escritos gratuitamente com todos nós!
    Beijos!

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